segunda-feira, 5 de novembro de 2012

BREVES APONTAMENTOS SOBRE MORAL, ÉTICA E VIRTUDE


Características da Moral e da Ética

A Moral e a Ética invariavelmente são confundidas e até mesmo vistas como sinônimos.

Segundo Osvaldo Ferreira de Melo, Moral é: “1) Conjunto de princípios e de padrões de conduta de um indivíduo, de um grupo ou de uma coletividade. 2. Conjunto de regras decorrentes dos costumes e da recepção das virtudes valoradas pelo grupo social. Impropriamente a palavra é usada como sinônimo de Ética (V.)” (Dicionário de Política Jurídica. p. 28).

Pode-se afirmar que a Moral é a construção espiritual do ser humano, não sendo possível ser codificada, constituindo-se em patrimônio pessoal, estando ligada ao agir individual em correspondência com os valores de seu universo. Também, em um contexto mais amplo, a Moral corresponde aos costumes, ao modo de um povo culturalmente pensar. Tem por característica principal a interiorização, já que não precisa ser exteriorizada.

Acerca do conhecimento da moral, Hommerding (HOMMERDING, Adalberto Narciso. Valores, Processo e Sentença. p. 36) referencia que para Max Scheler os valores são conhecidos apenas através do sentimento. Assim, o órgão para a apreensão dos valores não seria o entendimento, mas o sentimento, pois é no sentir emocional que se tem a vivência direta dos valores.

         Já para Honecker e Lotz, os valores são apreendidos pelo intelecto, conforme cita Johanner Hessen uma passagem do primeiro: “podemos dizer que todo o valorar é, na essência, um facto intelectual no qual o sentimento apenas intervém como um factor concomitante ou que apenas lhe serve de fundamento” (Apud HOMMERDING, Adalberto Narciso. Valores, Processo e Sentença. p. 36).

         Hessen, por sua vez, critica o exagerado intelectualismo, afirmando que se assim fosse, os mais altos intelectos deveriam ser portadores dos maiores valores, tais como a ética e a justiça, o que se sabe não acontece. Segundo este autor, os valores não se fundam num conhecimento racional-discurssivo, mas são conhecidos a partir de numa vivência direta.

De outro lado e com uma posição central, David Hume (Uma investigação sobre os princípios da Moral. p. 174) afirma que a Moral funda-se tanto na razão quanto no sentimento, na medida em que é através da razão que se conhece as várias tendências das ações (se nocivas e úteis), mas cabe ao sentimento estabelecer a preferência entre uma e outra ação, no caso, as úteis em detrimento das inúteis.

Por fim, explica Calera (Apud DIAS, Maria da Graça dos Santos. A justiça e o imaginário social, p. 45-46) que “a liberdade   de   aceitação,   de adesão, constitui a característica fundante do ato Moral”.

A Ética, por sua vez, “é a disciplina que procura responder as seguintes questões: como e porque julgamos que uma ação é Moralmente errada ou correta? E que critérios deve orientar esse julgamento?” (BORGES, Maria de Lourdes. Ética. p. 7).

Tem por característica ser atributiva, exteriorizada e por função estetizar as relações humanas e estabelecer limites ao agir.

Vê-se, portanto, que a Ética tem como função principal tornar as relações humanas mais belas, sendo, em última análise, a Moral em ação. Assim, a Ética pressupõe um agir individual buscando o bem, direcionado ao outro. 

A Ética, por não ter a característica de exigibilidade, necessita da força imperativa do Direito. É a Ética quem vai, ou pelo menos deveria, conduzir o Direito.

Adão Longo (op. cit. p. 73) sintetiza:

A Ética deverá estar presente no homem: em todos os seus atos, gestos, ou pensamentos, ou faculdades, ou interpretações ou decisões. O homem é, embrionariamente, um ser ético: na sua razão pura, na sua vontade consequente, na origem de sua ação e na consecução de seus objetivos e finalidades (...). Porque o homem é destinado, por natureza, à Ética, num compromisso tácito com a vida que lhe é dada viver, condicionando o ar que respira ao direito de posse de sua dignidade. É esta dignidade que irá fundamentar a justiça das normas jurídicas, na sua elaboração ou julgamento, e que dará consistência ao corpo necessário das leis e dos códigos.

E prossegue: “Eis por que, encarados isoladamente, a Ética e o Direito não existem verdadeiramente: são, respectivamente, alma e corpo de uma vida humana” (p. 74). 

Foi visto acima que a Ética tem como função estetizar as relações humanas, bem como estabelecer limites ao agir. Sobre a primeira função, basta afirmar que ao tornar as relações humanas mais belas a Ética sempre estará relacionada com o bem, com o agir altruísta, não sendo ético o comportamento que não tenha este objetivo.

Já no tocante à limitação do agir, tem grande importância para as relações humanas e principalmente para o Direito, que deve estar sempre intimamente ligado com a Ética e limitado por esta.

A virtude
                  
Platão simboliza a virtude como unidade, semelhante a um bloco monolítico, composto por três faces: justiça, sensatez e piedade[1]. Este filósofo trabalha a virtude em dois aspectos. A intelectual e a de ofício, ou de habilidades técnicas.

A virtude intelectual é percebida por meio de duas modalidades: moral e política. Para Platão, a virtude moral equivale ao bem, no sentido da moral, em sua dimensão mais elevada. A virtude política, por sua vez, define-se pela vontade da lei e ambas, virtude moral e política, têm por objetivo alcançar o progresso espiritual do homem e são construídas sob o paradigma do bem e caminham em direção à luz, ao conhecimento e à verdade[2].

Em suma, a virtude intelectual deriva do estudo do conhecimento humano gerado a partir de pesquisas-reflexões sobre determinado ramo de saber.

A virtude moral compreende a humildade, a prudência, a justiça, a coragem, a sinceridade, o amor, nasce individualmente do homem e pode ser considerada universal, pois inerente ao ser humano.

Para Aristóteles, a virtude moral nasce do hábito, do costume dos povos. Constituem formas concretas da virtude moral a coragem, a prudência, a humildade, a magnanimidade e a temperança[3]. Já a virtude intelectual, que denomina de excelência, apóia-se na experiência e no tempo, nasce e se aperfeiçoa com a instrução e produz ideias universais. Portanto, é algo que pode ser aprendido através do conhecimento teórico e empírico, uma combinação entre o conhecimento teórico e a experiência[4].

A virtude de ofício, para este filósofo, é resultante de uma profissão e não é submetida ao um conhecimento intelectual. É limitada ao trabalho dedicado, não é universal, mas limitada ao particular. Pode-se entender por esta virtude o ofício desenvolvido pelo artesão, pelo pintor, pelo marceneiro, alfaiate etc. cujas capacidades lhes são inerentes, inatas muitas vezes, constituindo-se, assim, uma virtude pessoal.

Em suma, pode-se classificar a virtude, conforme leitura de Platão e Aristóteles, em Virtude Moral, Virtude Intelectual e Virtude de Ofício.

Moacyr Motta da Silva[5], explicando o pensamento de Max Scheler, reprisa que para este autor a virtude indica a ideia do bem, como consciência viva, inerente ao ser humano, individual e pessoal. Virtude, por este entendimento, constitui particularidade do ser humano.

E prossegue:

Scheler inicia a ideia de virtude como potência do ser humano voltada para o bem. O termo potência designa estado do ser, do ângulo da moral. A palavra bem, na linguagem da virtude em Scheler denota aquilo que pode ser objeto de satisfação e de aprovação. O conceito de virtude independe do grau de capacidade, de habilidade. A virtude, como potência íntima do ser, concretiza-se em atos de amor, de boa vontade, de compreensão e de nobreza interna[6].

Para Adão Longo a virtude é abstrata, abstraída das ações, das qualidades ou dos estados que vivem na realidade do mundo e apesar de ser uma potência individual do ser, necessita das relações entre os seres humanos para vivificar: 

A coragem, a honradez, a temperança, a amizade, a caridade, a franqueza, a sinceridade, o amor, a piedade, e as demais virtudes, no são somente possibilidades de cada ser humano, encaradas simploriamente como aspirações próprias, individualizadas, mas devem ser percebidas, acima de tudo, como essências das relações de vida, que brotam dos indivíduos, mas que só germinam e se plantam com suas raízes firmes quando arborescem por inteiro nas relações humanas, que se fazem relações públicas e morais, para frutificarem no Direito[7].

Pode-se compreender por virtude a ação do homem no sentido do bem, voltado àquilo que é bom no outrem. Esta ação deve ser consciente e com liberdade, sem influenciação do grupo a que pertence.

Contudo, a virtude estudada a partir da Idade Média não corresponde à virtude atual.

Na Idade Média, a virtude era vista como uma essência das mais elevadas, a primeira qualidade da pessoa. Apontava para uma   consciência viva de potência para o bem e era totalmente individual e pessoal[8].

Na atualidade a virtude é vista como algo que ultrapassa, está distante do homem. Hoje se fala de habilidade nos negócios e empreendimentos em substituição à virtude. Aquela concepção de virtude é algo inalcançável, segundo a crença atual[9].

Essa visão, logicamente, deve ser modificada, o que só ocorrerá a partir do reencontro do homem com a humildade e a veneração. Segundo Scheler[10], a busca destes dois representantes da virtude antiga é o caminho para a sua reabilitação.

Por isso da necessidade de se analisar a virtude, pois é a partir dela (virtude moral e intelectual) que se chegará à justiça.