quinta-feira, 8 de novembro de 2018

A LAICIDADE DO ESTADO E O LEGÍTIMO PROJETO DE PODER DOS EVANGÉLICOS




        
         1)    O Estado não é laico e dificilmente será;

         2)    O projeto de poder político trilhado pelas igrejas evangélicas é legítimo;



Por mais que a Constituição Federal informe que o Brasil é um Estado laico, ou neutro quanto às questões religiosas,[1] na prática não é isso o que temos.

A interferência da religião católica na formação do estado Brasileiro é indiscutível. Qualquer dúvida basta observar os inúmeros feriados religiosos nacionais, todos eles diretamente ligados à crença cristã/católica: Quarta Feira de Cinzas, Sexta Feira Santa, Corpus Christi, Nossa Senhora Aparecida (padroeira do Brasil), Finados e Natal.

Vejam, que dos 11 feriados nacionais, 6 referem-se às crenças católicas. Se realmente fossemos um país laico, com neutralidade religiosa, não haveria feriado nacional com qualquer ligação à crença religiosa.

Por ser algo tão incorporado à cultura brasileira, essa correlação acaba passando despercebida pela maioria da população, até mesmo quem não comunga das tradições católicas e cristãs.

Imaginem feriado nacional em homenagem a Chico Xavier, Mãe Minininha do Gantois, Zumbi dos Palmares etc, legítimo, não?

A segunda afirmativa – O projeto de poder político trilhado pelas igrejas evangélicas é legítimo – se por um lado causa desconforto, por outro evidencia um embate entre os dois maiores seguimentos religiosos nacionais, não por busca de fiéis, mas por poder.

O movimento realizado ao longo de décadas pela igreja católica, em firmar território nos "cantinhos" de Brasília, resultou no predomínio de seus postulados na agenda e legislação nacional.

O que os evangélicos vêm buscando, há algum tempo, é encurtar essa distância e impor algumas de suas ideologias nos espaços públicos brasileiros.

Podemos concordar que seja um movimento equívoco, retrógrado, mas não temos como discordar que seja legítimo, já que a igreja católica fez esse mesmo movimento, ainda que de forma mais velada.

Hoje é mais comum termos pastores evangélicos, do que padres envolvidos na política. As estratégias de poder são diferentes, pois enquanto aqueles preferiam o lobby e o anonimato, estes se expõe mais e buscam, pelo sufrágio, o acesso aos “cantinhos” de Brasília. 

O retrocesso não bate à porta, a arromba!



[1] Artigo 5º (...) VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;


quinta-feira, 4 de outubro de 2018

OS LIVROS QUE “CAMINHAM”



          
   Em 2014 escrevi o livro “Para que (m) serve o Direito Penal? Uma análise criminológica da seletividade dos segmentos de controle social” (Editora Lumen Juris), em coautoria com o amigo Airto Chaves Junior.

   Alguns exemplares foram oferecidos para pessoas que contribuíram com o trabalho, para colegas que gostaríamos tomassem conhecimento dos ideais ali propostos e outros doados para alunos, enfim, seguiram seus caminhos.

   Semana passada, quando entro na cozinha do Escritório Modelo de Advocacia da Univali, em Itajaí, observo um exemplar dele sobre uma cafeteira, com algumas anotações em seu interior, em uma folha avulsa. Surpreso com o que vi, pedi à zeladora de quem era aquele livro, quando me disse ser dela. Perguntei como ela tinha conseguido o exemplar. Relatou-me que alguém doou para a igreja que frequenta e ela, por acaso, acabou por pegá-lo, sem muita pretensão de leitura.

   Disse a ela que eu era um dos autores, quando percebi sua surpresa. Solicitei fazer uma troca do livro, por outro de seu interesse. Me disse sim, poderia trocar e assim nos despedimos. Semana seguinte (hoje), fui até ela e a lembrei do livro, perguntando se faria a troca comigo, no que consentiu, comentando: “Difícil entender ele né? Comecei a ler, mas não entendi muito”. Disse a ela que era um livro técnico, destinado a um público específico e que havia trazido um livro que talvez lhe fosse mais interessante.

   Fizemos a troca!

  O livro, depois de escrito, adquire independência, circula por mãos diversas, enfrentam humores bons e maus, são riscados, cuidados, amados, odiados.... e lidos.

   É para isso que são feitos, para serem lidos. E esse exemplar não estava cumprindo com sua missão; servia como um “bloco de anotação”, desviando-se do sentido que lhe fez nascer.

   Agora, resgatado, retornará às mãos de leitores!
           

quinta-feira, 20 de setembro de 2018

LIVRO INÉDITO É LANÇADO NO BRASIL

ADQUIRA aqui

JUIZ NÃO PODE PARTICIPAR DE CONSTELAÇÃO FAMILIAR


  publicado originalmente no empório do direito.

 Com a crescente utilização das Constelações Familiares no âmbito judicial, tem-se presenciado algumas práticas que precisam ser melhor analisadas e discutidas.
  Talvez pela ausência de uma legislação específica sobre o caso, é comum juízes e promotores atuarem como consteladores ou participarem das constelações sistêmicas em processos judiciais sob suas competências jurisdicionais.
  Nos parece, com toda certeza, que essa prática é ilegal.
 Se por um lado não temos uma legislação específica sobre a prática das constelações familiares no judiciário, por outro possuímos regras gerais que podem e devem ser aplicadas, por analogia, à questão proposta.
 No artigo 145, inciso II, do Código de Processo Civil, o juiz deve declarar-se suspeito, por exemplo, quando tiver aconselhado alguma das partes acerca do objeto da causa. Bem sabemos que o facilitador da constelação pode, em certas situações, indicar qual deva ser a melhor solução para o conflito, pela percepção fenomenológica surgida no exercício.
 Por exemplo, é bastante comum que em uma constelação o real motivo do conflito, até então oculto, inclusive para o juiz/promotor, venha à luz, influenciando o desenrolar do litígio. No exemplo, caso a parte opte por não realizar algum acordo ou não concorde com o fenômeno vivenciado e queira manter o processo, esse juiz que participou (como constelador ou apenas como ouvinte) terá que instruir e julgar o caso. Não tenho dúvida alguma que sua parcialidade está prejudicada. O mesmo raciocínio se aplica ao membro do Ministério Público.
 No Código de Processo Penal, em seu artigo 254, inciso IV, o juiz deverá declara-se suspeito caso tenha aconselhado qualquer das partes.
 Se não bastasse, a Resolução 225/16 do CNJ, que trata da Justiça Restaurativa, prevê o seguinte:
Art. 15. É vedado ao facilitador restaurativo:
I – impor determinada decisão, antecipar decisão de magistrado, julgar, aconselhar, diagnosticar ou simpatizar durante os trabalhos restaurativos;
II – prestar testemunho em juízo acerca das informações obtidas no procedimento restaurativo;
III – relatar ao juiz, ao promotor de justiça, aos advogados ou a qualquer autoridade do Sistema de Justiça, sem motivação legal, o conteúdo das declarações prestadas por qualquer dos envolvidos nos trabalhos restaurativos, sob as penas previstas no art. 154 do Código Penal.
 Veja que na Justiça Restaurativa o facilitador não pode decidir ou antecipar qualquer decisão, nem mesmo aconselhar as partes. Também não pode prestar testemunho sobre o que foi vivenciado na facilitação e, com todo o acerto, relatar ao juiz ou promotor o conteúdo das declarações prestadas no contexto da facilitação restaurativa.
 Com isso, nos parece que está bem clara a proibição do juiz e promotor tomar conhecimento do conteúdo da facilitação, o que o proíbe, por dedução lógica, em participar como ouvinte ou facilitador.
  Vamos para outro exemplo. Em uma constelação presenciada pelo promotor, surge a informação da prática de um crime de ação penal pública incondicionada, ocorrida naquele contexto familiar e que, até agora, era desconhecido das autoridades públicas e até mesmo dos demais membros da família. Como o promotor deverá agir nesse caso? Pela legislação, deverá requisitar a abertura de inquérito policial (artigo 5º inciso II CPP). E se assim não agir, estaria prevaricando?
   Veja que esse exemplo se aplica ao delegado de polícia, pois teria ele obrigação legal de abrir investigação de ofício (artigo 5º inciso I CPP) e ao juiz, que deveria requisitar, da mesma forma que o promotor, a abertura de investigação policial.
  Não tenho dúvida que no exemplo acima as autoridades estariam agindo de forma absolutamente parcial, pela simples necessidade de cumprir a lei. Então e até mesmo como segurança à função que esses profissionais exercem, é de bom alvitre que referidas autoridades não presenciem ou facilitem tais exercícios.
  Desta forma, entendo que a Constelação Familiar não pode ser presenciada ou facilitada por juiz ou promotor de justiça, sob pena de suspeição e nulidade dos atos praticados no processo.
  Portanto e até em respeito às leis sistêmicas, é importante que o juiz/promotor saiba qual é o seu lugar e, caso queira atuar ou presenciar as oficinas sistêmicas, que se declare suspeito para a continuidade do processo, caso o acordo não ocorra.
 Cabe a nós, advogados, a fiscalização dessa prática rotineira no judiciário brasileiro, levantando a suspeição do juiz e do promotor que participem ou facilitem constelações e demais exercícios sistêmicos em processos sob suas jurisdições.

sábado, 8 de setembro de 2018

A CULTURA DA PAZ E O ATENTADO A BOLSONARO

Para a UNESCO, a cultura da paz é a "Paz em Ação", ou seja, não basta deixar de praticar violência, é preciso ter uma postura ativa na produção da pacificação. Agir em busca da paz. 

Me parece que estamos passando por momento de extrema incompreensão do que seja isso.

Após o lamentável atentado a Bolsonaro, repercutiu uma frase em que ele teria dito que "nunca havia feito mal a alguém", no sentido de que não seria justo ter sido vítima de tal violência.

A afirmação do candidato evidencia como tratamos a violência no cotidiano, onde o fato de não ter feito mal a alguém transforma a violência sofrida como injustificada.

Penso que sua frase está equivocada. Mesmo que tivesse praticado mal a alguém, também não seria merecedor da violência recebida.

É preciso, aqui, observar que a violência não justifica outro ato de violência. Assim, cada um de nós não merece ser vítima de qualquer ato violento, independente se tenha ou não praticado um.

A frase de Bolsonaro representa o entendimento de muitos brasileiros. A violência pode ser justificada, a depender do que o outro tenha feito. Com isso, o revide acaba sendo algo justo e o círculo vicioso de ataque e contra ataque não finda.

Bolsonaro, você e qualquer outra pessoa não merece ter a vida atentada pelo simples fato de ser um Humano e, "apenas" por isso, merece respeito.

Essa visão diferenciada dos conflitos sociais é o paradigma trazido pela Justiça Restaurativa.

A pacificação precisa ser construída a partir de uma visão sistêmica do conflito.

A minha postura em busca de uma cultura da paz não pode ser condicionada à postura do outro. 

quarta-feira, 13 de junho de 2018

DIREITOS HUMANOS DE OCASIÃO

   Pensar os Direitos Humanos, a partir de condicionamentos, é um retrocesso que precisamos resistir. 

   A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), foi o documento oficial que, no Direito Moderno, reconheceu os direitos fundamentais do homem. Contudo, os diretos básicos do humano não surgem com a lei e sim com o próprio humano, ou seja, é inerente à sua existência.

   Desde a Revolução Francesa, uma ideia de se proteger os cidadãos, do poder estatal, deu origem a movimentos mundiais, no sentido de se estabelecer limites à atuação do Estado. No campo penal, temos os códigos penal e processo penal atuando, mesmo que a contra gosto de muitos, como instrumentos de garantia, alinhados (nem tanto assim), com a ideia de proteção dos direitos fundamentais.

   Não se olvida que o surgimento de uma declaração universal dos direitos humanos, deu-se pela decaída ética e moral do homem, pois só houve a necessidade de se proteger direitos básicos, por que esses não eram respeitados pela (des)ordem vigente.

   Assim, é possível afirmar, numa visão em paralaxe (Zizek), que cada vez que invoco os Direitos Humanos, é porque vários outros direitos já foram desrespeitados. Melhor seria, não ter tido a necessidade de expressá-los em documentos oficiais.

   Nesse sentir, já que precisamos ser lembrados da necessidade de assegurar o básico ao humano, para uma vivência sadia e minimamente digna, que isso seja feito sem qualquer condicionamento.

   Os Direitos Humanos pertencem a todos os cidadãos, independente de sua condição social, individual, jurídica, moral e ética. Mesmo quando alguém se encontra preso, há direitos básicos assegurados.

   Precisamos pensar os Direitos Humanos, a partir do Imperativo Categórico de Kant: "Aja de forma a tratar a humanidade, seja na sua pessoa seja na pessoa de outrem, nunca como simples meio, mas sempre ao mesmo tempo como um fim".

   Os Direitos Humanos devem ser respeitados, simplesmente por que o seu detentor é um humano e ponto. Não se deve buscar fundamentação além dessa, para se garantir direitos básicos, lembrados pela Declaração de 1948.

   O que temos visto é a sua não aplicação em situações onde o sujeito deixa de cumprir com algum requisito que se entenda necessário, requisito esse, de regra, inerente à percepção subjetiva do julgador.

   Não existe Direitos Humanos ocasionais!







quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

A PUNIÇÃO AO DELITO DE MAUS-TRATOS AOS ANIMAIS E A LEI SISTÊMICA DO PERTENCIMENTO


Fabiano Oldoni
Emilli Fátima Haskel da Silva

Publicado originalmente no emporiododireito.com.br

INTRODUÇÃO 

O Direito dos Animais – digam-se os não racionais – vislumbra um estudo que requer um nível de sabedoria superior, não apenas no que se refere às técnicas e conhecimento do que já se encontra positivado, mas que permita ao ser humano deixar de lado o seu egoísmo (que é “filho” do capitalismo, mas não se faz necessário entrar nesse mérito) e passe a olhar ao seu redor, acabando por observar que há outros tipos de vidas que necessitam de acolhimento; proteção; direitos. O humano precisa quebrar seu vínculo com o antropocentrismo.

Como afirma Medeiros[1], a preocupação com a proteção do meio ambiente é algo que vem crescendo notadamente, contudo, o comportamento cultural não se desenvolve na mesma medida que os recursos tecnológicos e científicos, ou seja, para o presente estudo, basta considerar que embora as legislações de proteção aos animais passem a evoluir, o comportamento do homem, na sociedade nacional atual, não acompanha o desenvolvimento das normas.

É partindo desse ponto de vista que se busca demonstrar que a evolução das normas ambientais animais conflita com o antropocentrismo presente, ainda, na vida de muitas pessoas. Busca-se, na sequência, sugerir uma nova modalidade de cumprimento de pena para aqueles condenados por delito de maus-tratos aos animais, de modo que ela seja eficaz para ambos os sujeitos da relação, trazendo benefícios para a parte passiva e evolução comportamental e psicológica à parte ativa. 

1. A RELAÇÃO ENTRE HUMANOS E NÃO HUMANOS

1.1. A perspectiva antropocêntrica 

O ser humano, em sua relação com os animais, necessita romper a conexão com o antropocentrismo, haja vista que “o antropocentrismo foi, e continua sendo, um dos principais responsáveis pela degradação ambiental indiscriminada e pela submissão dos animais não humanos à crueldade”[2].

A justificativa do distanciamento da relação do homem com os animais, ou com a natureza em si, encontra apoio nas palavras de Leite[3], que explica que pela ótica antropocêntrica clássica o homem é proprietário da natureza, e é esta falsa propriedade que lhes propõe o sentimento de superioridade quanto ao meio ambiente.

Esse sentimento de superioridade perante os animais não racionais é considerado, tanto por Medeiros[4] como por Leite[5], sinônimo daquele existente quanto aos negros, judeus, mulheres, indígenas, entre outros, colocando a vista que a racionalidade humana ficará comprometida enquanto a imposição do antropocentrismo for de maior importância.

A partir do momento em que se visualizou a dificuldade encontrada no convívio entre os animais humanos e não humanos, deu-se criação ao não antropocentrismo, que por sua vez teve como pilar o animalismo. O animalismo buscou “destacar os animais dos demais elementos da natureza, elevando-os, contudo, ao status de ser humano”[6], tendo como seus precursores principais Peter Singer e Tom Regan.

Embora Singer e Regan contribuam para o animalismo, ambos possuem ideias controversas. Singer trabalha com o bem-estarismo, que se entende pela desconstrução do especismo, que trabalha com o princípio moral da igual consideração de interesses, não requerendo tratamento igual, mas igual consideração; para Singer o que confere a igualdade de consideração dos animais humanos e não humanos é a capacidade de sofrer; Singer não defende a conquista de direitos pelos animais, mas a obrigação humana de assegurar que os outros animais não sofram desnecessariamente. Já para Regan, que trabalha com o abolicionismo, os animais não humanos também devem possuir direitos, pois a maioria deles possui aspectos parecidos com os do ser humano e uma origem comum a este; para Regan, com o direito dos animais vigentes não haverá abertura para qualquer tipo de exploração animal.[7]

Visto que o não antropocentrismo possui duas correntes contrárias no que tange ao animalismo, uma impondo o dever de proteção aos animais e a outra, de maneira mais extrema, colocando como necessária a concessão de direitos aos animais equivalentes aos dos humanos, nasceu então, o antropocentrismo alargado. O antropocentrismo alargado consiste na “busca e superação da limitação antropocêntrica, para admitir a proteção da natureza pelo seu valor intrínseco”[8].

Por meio desta corrente visa-se o abandono das ideias de separação, domínio e submissão da natureza para com o homem, buscando a interação entre estes dois.

Leite[9] explica que alguns consideram o bem-estarismo de Singer como antropocentrismo alargado, pois a corrente propõe deveres de proteção animal ao ser humano. Entende-se, por fim, como predominante, atualmente, o próprio antropocentrismo alargado, onde reside a ideia de um antropocentrismo com crescentes bolsões de não antropocentrismo – onde não há extremos entre o bem-estarismo e o abolicionismo, mas um trabalho conjunto de ambos. 

1.2. A lei do pertencimento (à natureza) 

 A lei do pertencimento, estudada no âmbito das Leis Sistêmicas e, consequentemente, na Aplicação Sistêmica do Direito, é a primeira das três Ordens do Amor elencadas por Bert Hellinger.[10]

O pertencimento, visualizado como lei, ou ordem, diz respeito à vinculação do indivíduo ao seu grupo social, de modo que cada indivíduo pertence a algum lugar e exerce um papel dentro daquele contexto.[11]

O que é considerado correto, ou bom, para um determinado grupo, pode ser considerado errôneo, ou mau, para outro grupo. O que se explica no direito penal sistêmico, é que a violência pode ter razões que só serão passíveis de conhecimento a partir do momento em que os envolvidos consigam se ver como integrantes de um sistema, seja ele familiar, social ou grupal.[12]

A linha que aqui se busca seguir, tende a abordar a lei do pertencimento, de modo que o indivíduo infrator compreenda que pertence ao âmbito “natureza”, que ele é apenas um de seus integrantes e não seu proprietário – como abordado com Leite no item anterior. É suscetível de compreensão, então, que “o autor do fato precisa sentir-se pertencente”[13], bem como, sentir que os animais pertencem ao mesmo meio.

A necessidade de percepção, pelo autor dos maus-tratos, de que participa do mesmo campo que participam os animais, volta-se à aproximação deste com aquele. Essa aproximação tende à resolução do conflito, colocando o autor e o ofendido em posições que se possam construir uma relação de harmonia e paz.

A ideia, segundo Oldoni, Lippmann e Girardi, é “que se construa um sistema de justiça que procure aproximar aqueles que se separam pela violência e o direito ao pertencimento se traduz na necessidade de colocar cada um no seu devido lugar”.[14]                   

2. A PUNIÇÃO AO DELITO DE MAUS-TRATOS AOS ANIMAIS E A LEI SISTÊMICA DO PERTENCIMENTO 

2.1. Cabimento da pena restritiva de direitos 

Atualmente, as condutas criminosas tangentes aos maus-tratos aos animais, estão previstas no art. 32 da Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, qual seja a Lei dos Crimes Ambientais. A pena estabelecida na respectiva Lei é de detenção de três meses a um ano e também a condenação em multa.

A atual legislação penal permite a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito, porém, para que seja admissível esta substituição, o art. 44 do Código Penal determina que a pena privativa de liberdade seja inferior a quatro anos e o crime não seja de violência ou grave ameaça contra pessoa, no caso de o crime ser culposo, não há limitação de pena. A não reincidência do réu em crime doloso, análise dos antecedentes, culpabilidade, conduta social, personalidade e que os motivos e circunstâncias sejam suficientes à transação da pena também são requisitos indispensáveis de análise.

Modalidade de pena restritiva de direito é a prestação de serviços à comunidade ou entidade pública, espécie esta que possui algumas peculiaridades em comparação com as outras. Um dos requisitos especiais da pena de prestação de serviços diz respeito à necessidade de condenação à pena privativa de liberdade superior a seis meses, portanto, tendo em vista que a pena prevista na Lei dos Crimes ambientais pode atingir até um ano de detenção, é cabível a substituição por restritiva de direitos.

A necessidade de aplicação da pena de prestação de serviços àqueles condenados por maltratar animais, não tende apenas a uma transação de pena, mas sim tornar a punição eficaz, de modo que não sujeite o apenado à degradação e que, concomitantemente, mostre-lhe a possibilidade de melhorar sua conduta.

Diz Rogério Greco que “se a pena é um mal necessário, devemos, num Estado Social e Democrático de Direito, buscar aquela que seja suficientemente forte para a proteção dos bens jurídicos essenciais, mas que, por outro lado, não atinja de forma brutal a dignidade da pessoa humana.”[15]

Nessa ótica, combinando-a com o estudado no título anterior, vê-se a necessidade de impor uma pena que faça o réu modificar seus comportamentos de modo a demonstrar melhoria, e não apenas cumprir uma determinação legal porque se sente obrigado. A pena aplicável, no caso dos maus-tratos aos animais, deve procurar romper o antropocentrismo e buscar o entendimento, por parte do réu, de seu pertencimento ao mesmo ambiente dos animais não humanos. 

2.2. A prestação de serviços à comunidade como método eficaz no combate aos maus-tratos aos animais 

É de saber comum que o convívio com animais domésticos é um notório auxiliar no tratamento de patologias físicas e psicológicas, tendo sido criado, para este fim, a Atividade Assistida por Animais – AAA e a Terapia Assistida por Animais – TAA, ou, como também é chamado, Pet Terapia.

Explicam Giumelli e Santos, que “a TAA é realizada por profissionais capacitados da área da saúde, que utilizam o animal como ferramenta terapêutica, com o objetivo de desenvolver e melhorar as condições físicas, sociais, emocionais e cognitivas de pessoas” [16], enquanto na AAA “não há um acompanhamento médico periódico nas visitas, e estas são realizadas com os animais semanalmente a fim de promover a distração, recreação e o bem-estar dos pacientes por meio do contato dos animais com essas pessoas”.[17]

Ambas as modalidades assistidas pelos animais visam o mesmo fim, tendo em vista que a distração e bem-estar das pessoas envolvidas também acarretarão no melhoramento das suas condições emocionais, sociais, físicas e cognitivas.

Tendo em mente a efetividade da Pet Terapia e do AAA foi que, em 2010, nos Estados Unidos da América, deu-se início ao projeto “Jail Dogs”, que consiste no recolhimento de cães que se encontram nas ruas e seu subsequente tratamento por parte dos presidiários.[18]

Na página oficial do projeto é possível encontrar a seguinte informação: 

Since the program's founding, over 200 dogs have been rescued, vetted, trained, and adopted into new families. In addition to saving dogs, we are also benefiting the inmates, giving them new skills in dog training and handling, as well as learning to care for something other than themselves and the knowledge that they have made a positive difference in a dog's life. [19] 

Ou seja, além do resgate de mais de 200 cães, os presos também adquirem novas habilidades no que tange aos treinamentos e cuidados caninos, fora o aprendizado de que fizeram a diferença na vida de um animal. Pode, então, esse simples sentimento de emoção e gratidão por ter ajudado um animal, mudar o modo de comportar-se e de pensar daquele cidadão condenado. O pai de um preso assim manifestou-se: 

I want to express my respect and adoration for the wonderful aspects of this Jail Dogs program. I would like to thank all the volunteers and the Sheriff's Department for their dedication to this program. This is a "win-win" situation for everyone involved. As a parent of an inmate, I find peace and comfort knowing my son has had the opportunity to be chosen and to benefit from participating. I would hope this model program is enacted in many states. [20] 

Tendo como exemplo, e também como comprovação da eficácia da AAA, tem-se, então, o Jail Dogs, onde fica demonstrado, como bem dito na fala do pai do presidiário supramencionada, uma verdadeira relação de ganho recíproco, onde ambas as partes saem vitoriosas, tanto o animal humano como o não humano. Trata-se de uma vitória psicológica e comportamental do preso, decorrendo daí o reconhecimento como não sendo adequado o seu comportamento anterior com os não racionais, adquirindo nova postura diante destes seres que antes eram vítimas.

A partir de toda essa ótica é que se busca sugerir a implementação de algo similar na execução penal do Brasil. Não se trata, a princípio, de um projeto “extra pena”, onde organizações com projetos autônomos se prontificam para trabalhar junto aos detentos, mas sim de algo que parte direto do judiciário, no momento da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

O método legítimo para aplicação dessa ideia encontra-se respaldado na pena de prestação de serviços à comunidade ou entidade pública, sendo, neste caso, as entidades e comunidades destinadas à proteção animal. Sugere-se que o réu, na sua substituição de pena, seja enquadrado a prestar serviços em um desses locais, pois, além de ajudar, também estará convivendo diretamente com os animais.

Trata-se, então, de uma prestação de serviços, por parte do condenado, às instituições, organizações e entidades de proteção animal, mas devendo, também, no caso do seu trabalho não ser de vínculo direto com o animal, ser reservado um tempo para que se tenha essa relação.

Não se pode descartar a necessidade da utilização da técnica da Constelação Sistêmica ao condenado, fazendo-o compreender a lei do pertencimento no caso penal que lhe interessa.

Essa ferramenta tem se mostrado bastante eficiência em demandas judiciais familiares, e pode ser também usada na fase da execução da pena, como método fanomenológico a auxiliar o infrator a equilibrar as leis sistêmicas. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Em vista do exposto, entende-se a conduta de maltratar animais como originária do antropocentrismo e da falta de reconhecimento, pelo homem, do pertencimento do animal ao seu meio comum.

Método a fim de alterar e melhorar esse comportamento tende a colocar o ser humano ao convívio com o não humano, ficando demonstrado, pela AAA, pela Pet Terapia e pelo projeto Jail Dogs, que a simples relação com os animais leva a melhorias comportamentais e psicológicas significantes.

Com o propósito de se impor uma pena de eficácia para ambas as partes, sugere-se, em casos de maus-tratos aos animais, que a punição consista na prestação de serviços pelo condenado em uma entidade de proteção animal, visando a aproximação do homem com o que, anteriormente, eram suas vítimas.

Fazer o homem compreender que os animais pertencem ao mesmo ambiente e que aqui chegaram há muito mais tempo que o humano, fortalece o vínculo entre eles, cujo convívio mais respeitoso com os animais pode acarretar, por si só, evolução na relação entre aqueles que antes eram agressor e vítima.

Honrar a lei sistêmica do pertencimento é um movimento necessário e importante para uma convivência mais pacífica entre humano e não-humano. 



REFERÊNCIAS 

ARONSON, Elliot. O animal social: Introdução ao estudo do comportamento humano. Tradução de Noé Gertel. São Paulo: IBRASA, 1979. 

BRASIL. Lei nº 9.605. 1998. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9605.htm>. Acesso em: 24 ago 2017. 

CAETANO, Elaine Cristina Salvador. As contribuições da TAA – Terapia Assistida por Animais à psicologia. UNESC: 2010. Disponível em: <http://www.bib.unesc.net/biblioteca/sumario/000044/00004406.pdf>. Acesso em: 14 dez 2017. 

FIORELLI, José Osmir. Psicologia jurídica. São Paulo: Atlas, 2012. 

GIUMELLI, Raísa Duquia; SANTOS, Marciane Cleuri Pereira. Convivência com animais de estimação: um estudo fenomenológico. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-68672016000100007>. Acesso em: 4 out 2017. 

GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: Impetus, 2012. 

Jail Dogs. Disponível em: <http://www.jaildogs.org/who-we-are.html>. Acesso em: 13 dez 2017. 

JESUS, Damásio de. Direito penal: parte geral. São Paulo, Saraiva: 2015. 

LEITE, José Rubens Morato. Manual de direito ambiental. São Paulo: Saraiva, 2015. 

MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de. Direito dos animais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. 

OLDONI, Fabiano; LIPPMANN, Márcia Sarubbi; GIRARDI, Maria Fernanda Gugelmin. Direito sistêmico: aplicação das leis sistêmicas de Bert Hellinger ao Direito de Família e ao Direito Penal. Joinville: Manuscritos



[1] MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de. Direito dos animais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2013. p. 23.

[2] LEITE, José Rubens Morato. Manual de direito ambiental. São Paulo: Saraiva, 2015. p.385.

[3] LEITE, José Rubens Morato. Manual de direito ambiental. São Paulo: Saraiva, 2015. p.384.

[4] MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de. Direito dos animais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2013. p. 35.

[5] LEITE, José Rubens Morato. Manual de direito ambiental. São Paulo: Saraiva, 2015. p.384.

[6] LEITE, José Rubens Morato. Manual de direito ambiental. São Paulo: Saraiva, 2015. p.386.

[7] LEITE, José Rubens Morato. Manual de direito ambiental. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 387-390.

[8] LEITE, José Rubens Morato. Manual de direito ambiental. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 390.

[9] LEITE, José Rubens Morato. Manual de direito ambiental. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 392.

[10] OLDONI, Fabiano; LIPPMANN, Márcia Sarubbi; GIRARDI, Maria Fernanda Gugelmin. Direito Sistêmico: aplicação das leis sistêmicas de Bert Hellinger ao Direito de Família e ao Direito Penal. Joinville: Manuscritos Editora, 2017. p. 37.

[11] OLDONI, Fabiano; LIPPMANN, Márcia Sarubbi; GIRARDI, Maria Fernanda Gugelmin. Direito Sistêmico: aplicação das leis sistêmicas de Bert Hellinger ao Direito de Família e ao Direito Penal. Joinville: Manuscritos Editora, 2017. p. 38.

[12] OLDONI, Fabiano; LIPPMANN, Márcia Sarubbi; GIRARDI, Maria Fernanda Gugelmin. Direito Sistêmico: aplicação das leis sistêmicas de Bert Hellinger ao Direito de Família e ao Direito Penal. Joinville: Manuscritos Editora, 2017. p. 117.

[13] OLDONI, Fabiano; LIPPMANN, Márcia Sarubbi; GIRARDI, Maria Fernanda Gugelmin. Direito Sistêmico: aplicação das leis sistêmicas de Bert Hellinger ao Direito de Família e ao Direito Penal. Joinville: Manuscritos Editora, 2017. p. 117.

[14] OLDONI, Fabiano; LIPPMANN, Márcia Sarubbi; GIRARDI, Maria Fernanda Gugelmin. Direito Sistêmico: aplicação das leis sistêmicas de Bert Hellinger ao Direito de Família e ao Direito Penal. Joinville: Manuscritos Editora, 2017. p. 118.

[15] GRECO, Rogério. Direito Penal: parte geral. Rio de Janeiro: Impetus, 2012. P. 226-227.

[16] GIUMELLI, Raísa Duquia; SANTOS, Marciane Cleuri Pereira. Convivência com animais de estimação: um estudo fenomenológico. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-68672016000100007>. Acesso em: 4 out 2017.

[17] CAETANO, Elaine Cristina Salvador. As contribuições da TAA – Terapia Assistida por Animais à psicologia. UNESC: 2010. Disponível em: <http://www.bib.unesc.net/biblioteca/sumario/000044/00004406.pdf>. Acesso em: 14 dez 2017. P. 22.

[18] Jail Dogs. Disponível em: <http://www.jaildogs.org/who-we-are.html>. Acesso em 15 dez 2017.

[19] Tradução livre: “Desde a fundação do programa, mais de 200 cães foram resgatados, examinados, treinados e adotados em novas famílias. Além de salvar cachorros, também estamos beneficiando os presos, dando-lhes novas habilidades em treinamento e manipulação de cães, além de aprender a cuidar de algo além de si e do conhecimento de que eles fizeram uma diferença positiva na vida de um cão”. Disponível em: <http://www.jaildogs.org/who-we-are.html>. Acesso em 15 dez 2017.

[20]  Tradução livre: Quero expressar o meu respeito e adoração pelos aspectos maravilhosos deste programa Jail Dogs. Gostaria de agradecer a todos os voluntários e ao Departamento do xerife por sua dedicação a este programa. Esta é uma situação de "win-win" para todos os envolvidos. Como pai de um preso, encontro paz e conforto sabendo que meu filho teve a oportunidade de ser escolhido e se beneficiar de participar. Espero que este programa modelo seja promulgado em muitos estados. Disponível em: <http://www.jaildogs.org/who-we-are.html>. Acesso em 15 dez 2017.