segunda-feira, 24 de março de 2014

Punir criminalmente o usuário de drogas ilícitas por quê? Puni-lo pensando em quem?

jbpires.blogspot.com

Semanalmente tenho levado os alunos do Escritório Modelo de Advocacia às audiências do Juizado Especial Criminal, notadamente naquelas em que se concede a proposta de transação penal. Apesar de tecnicamente não ser caso de transação penal, nestas audiências também são oferecidas as medidas sócioeducativas (I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo) àqueles que são flagrados portando drogas para consumo pessoal (artigo 28 da Lei 11.343/06).

Desta forma, a advertência acaba sendo a medida com maior aplicação, já que os selecionados pelo sistema são, quase sempre, primários no tocante ao artigo 28.

A advertência tem por finalidade "explicar" ao cidadão os malefícios do uso da droga, com o propósito de convencê-lo a não mais consumir tal entorpecente.

O que tenho visto em quase um ano de participação nestas audiências é a absoluta falta de sentido e eficácia na aplicação das medidas sócioeducativas.

A advertência, quando muito, causa constrangimento ao próprio conciliador, que após explicar as questões processuais e caso o "acusado" aceite a advertência, passa a lhe informar sobre os malefícios das drogas, bla bla bla...

Ao final do ato, está o "acusado" com um sorriso represado no rosto, frente à inocência das advertências recebidas e por considerá-las inúteis, e o conciliador ruborizado, envergonhado mesmo por estar cumprindo tal mister tão sem sentido, cujo utópico resultado positivo nem ele próprio acredita ter alcançado.

A advertência tem efeito puramento simbólico, assim como o Direito Penal, na medida em que simboliza à sociedade e ao "acusado" a presença da "justiça" nas relações sociais e no "controle" da criminalidade.

Antes e longe disso, temos um faz de conta jurídico que não convence ninguém, nem o usuário, que não deixará de fazer uso em razão da advertência, tampouco o conciliador, que conhece a ineficácia do método.

Não raras vezes o "acusado" indaga ao conciliador por que ele não pode fumar maconha se o uso de outras drogas (álcool e cigarro) é permitido, tendo invariavelmente a resposta pronta e (i)lógica: "porque a lei proíbe". O que mais poderia o conciliador dizer?

Nestas audiências não lembro de ter presenciado um usuário de cocaína ou crack sendo advertido, sempre um "maconheiro". Talvez a explicação para isso esteja no fato de que o consumo de cocaína seja feito de forma mais reservada, com menos chances do usuário ser flagrado e o crack ser usado por pessoas em crítico estado de vulnerabilidade social e emocional, o que causa certa repulsa até mesmo aos policiais, que evitam conduzi-los à delegacia, por saberem que no dia seguinte estarão novamente ali consumindo a droga.

Sobram, então, os maconheiros, estes ainda possíveis de "salvação"!

Defendo a descriminalização do consumo de drogas e rejeito a ideia de que cabe ao Direito Penal enfrentar o problema SOCIAL oriundo das mesmas, em virtude de sua evidente e comprovada ineficácia.

O consumo de drogas tem como causa e efeito questões sociais.

Vivemos num mundo de aparências e as medidas sócioeducativas, do artigo 28, confessam um falso "controle" do Estado Penal sobre o problema SOCIAL das drogas.

Bem verdade que o artigo 28 apresenta outras duas medidas, a prestação de serviços à comunidade e a medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. A primeira também não tem a força de fazer o usuário parar de consumir a droga "ilegal" e a segunda, talvez com um grau maior de eficiência, não existe na maioria das comarcas.

Fica a reflexão: Punir criminalmente o usuário de drogas ilícitas por quê? Puni-lo pensando em quem?

Decisões que consideram atípico o porte de drogas para uso pessoal e inconstitucional o artigo 28 (ver aqui).