terça-feira, 19 de novembro de 2013

Juízo da Comarca de Itajaí concede liminar em sintonia com o artigo 20 do CPP


O Escritório Modelo de Advocacia da Univali de Itajaí conseguiu uma liminar em mandado de segurança, para determinar o Delegado de Polícia (autoridade coatora) a fornecer certidão policial nos termos do artigo 20 do CPP, com a nova redação dada pela Lei 12.681/2012:

Art. 20. A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade.
Parágrafo único. Nos atestados de antecedentes que lhe forem solicitados, a autoridade policial não poderá mencionar quaisquer
anotações referentes a instauração de inquérito contra os requerente.


Um cliente procurou o EMA alegando que foi até a delegacia da comarca para solicitar uma certidão de antecedentes para fins empregatícios, onde lhe forneceram uma certidão que constava 2 registros de ocorrências contra ele, sendo que nenhum dos dois registros gerou processo crime (foi beneficiado pela suspensão condicional de processo e o outro inquérito foi arquivado).

Notificamos a autoridade coatora para que emitisse nova certidão, agora sem constar os registros, o que foi negado.

O Prof. Jefferson ingressou, então, com mandado de segurança e conseguiu a liminar.

A nova redação dada ao artigo 20 do CPP é clara ao afirmar que as certidões emitidas pela delegacia de polícia não podem mais constar os registros policiais, por uma questão lógica, qual seja, a presunção de inocência deve prevalecer.

Em muitos casos o cidadão tem contra si um registro policial, que não gera processo (por arquivamento, pela transação penal ou pelo sursis processual), contudo continua com a "ficha suja" na polícia, mesmo que no judiciário ele consiga uma certidão de antecedentes "limpa", já que os benefícios da Lei 9.099 não geram antecedentes negativos.

Este fato deve servir de alerta a todos que necessitem de certidões policiais, as quais, agora, deverão ser negativas, independente dos registros policiais que possam constar em desfavor do solicitante.

Para ler a íntegra da decisão, consultar o processo 033.13.021995-1 da Comarca de Itajaí. 

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Banalizamos a delegação da função jurisdicional: "dotor" assessor já apreciou o meu pedido?


A jurisdição, enquanto movimento em que o Estado-juiz aplica a lei abstrata ao caso concreto, após devidamente provocado pelo autor, mediante ação, tem como princípio norteador o juiz natural e proibição de indelegabilidade.
Pelo primeiro podemos compreender como sendo a garantia de que seremos processados por juiz legalmente instituído por lei, após a devida observância das regras de fixação de competência. Já a indelegabilidade é a proibição do juiz delegar sua função jurisdicional para terceiros.
Infelizmente, tanto o princípio do juiz natural como a indelegabilidade não são respeitados, bastando uma rápida olhada no cotidiano forense para concluirmos que os mesmos são quase que letra morta.
O excesso de processos e a deficiência estrutural do judiciário, sem exceções, faz com que o juiz delegue a sua função jurisdicional principal, a sentença, para assessores/estagiários.
Se esta prática já é questionável na área cível, na seara criminal agrava-se ainda mais a rotineira delegação da função jurisdicional.
A sentença criminal, absolutória ou condenatória, mais ainda que as decisões proferidas em outras áreas, exige uma análise individualizada do caso e uma atenção especial aos direitos do acusado, eis que é inadmissível condenar um inocente.
O processo penal exige a atuação pessoal do magistrado, que vinculado pela instrução (art. 399 § 2º CPP – identidade física do juiz), deve julgar o caso. Há muitas questões subjetivas a serem analisadas no processo crime que ultrapassam as simples “teses” jurídicas. O processo crime lida com o “fato crime”. Lida com a liberdade, com a estigmatização do indivíduo, que o segue para toda a vida, com a recolocação ou não do indivíduo no contexto social e muito mais.
Delegar a análise sobre a culpa ou inocência do cidadão para quem não possui a função jurisdicional é banalizar a prestação da tutela jurisdicional, é fazer pouco caso de quem está do outro lado do processo.
O ingresso na função de julgar exige aprovação em concurso de provas e títulos (não entro no mérito se estes concursos priorizam a decoreba, o que penso que sim, concordando com Alexandre Morais da Rosa), os quais são extensos e difíceis, exige, além do conhecimento jurídico, a formação moral, intelectual e um período mínimo de exercício na atividade jurídica. Se o Estado procura selecionar os “melhores” para exercer a função, não é lógico que o “eleito” delegue seu mister a terceiros.
Este escrito é e não é uma crítica, pois ao tempo em que não aceito tais situações (já que enquanto advogado não delego o meu serviço, contratado pelo cliente pela pessoalidade, para terceiros), compreendo, por outro lado, que a “culpa” não é do juiz (sem fechar os olhos para alguns magistrados que abusam de tal artifício), já que a deficiência estrutural do judiciário não lhe oferece outros meios para cumprir com “celeridade” a prestação da tutela jurisdicional, senão delegar tais funções, priorizando sua participação quase que exclusivamente nas audiências.
Não se pode negar a existência de um juízo de exceção dentro do próprio judiciário, legitimado e aceito por todos.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Fui absolvido criminalmente mas desejo recorrer, posso?

acessoajustiça.com.br

A sentença penal condenatória[1], transitada em julgado, faz coisa julgada no cível, obrigando o juízo cível a seguir seu comando quanto à materialidade (fato) e autoria (artigo 935 CC), devendo julgar procedente eventual ação de reparação de danos cuja causa de pedir seja a mesma do processo crime.
Além da sentença penal condenatória, também algumas sentenças penais absolutórias fazem coisa julgada no cível, vinculando a decisão no processo civil de conhecimento.
A questão é sabermos quais sentenças penais absolutórias fazem coisa julgada no cível, para, então, analisarmos se o acusado, absolvido, tem interesse recursal para modificar o fundamento da sentença.
O procedimento comum ordinário (art. 394 CPP) e sumário (art. 531 CPP) e o procedimento especial do Tribunal do Júri (art. 406 CPP) admitem a absolvição sumária.
No caso dos procedimentos comuns ordinário e sumário, a absolvição sumária encontra-se regulada no artigo 395 do CPP e traduz-se nas seguintes situações: I - a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; II - a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; III - que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou IV - extinta a punibilidade do agente.
Destas causas de absolvição sumária, a constante no inciso I (excludente da ilicitude do fato[2]) faz coisa julgada no cível (art. 65 CPP e 188 inciso I CC), já as demais (excludente da culpabilidade, fato narrado evidentemente não constitui crime e extinção da punibilidade do art. 107 CP) não fazem coisa julgada, na medida em que, no primeiro caso, não há previsão legal, no segundo o fato de não ser crime não significa que não tenha gerado um dano civil indenizável e no terceiro, o fato de ser extinta a punibilidade pela prescrição, renúncia, perdão, decadência ou perempção, por exemplo, não impede a vítima lesada buscar a reparação dos danos sofridos na esfera cível.
O procedimento do Tribunal do Júri também prevê a absolvição sumária (art. 415 CPP) quando o juiz reconhecer estar provada a inexistência do fato (inciso I), estar provado não ser o autor do fato (inciso II), o fato não constitui infração penal (inciso III) e reconheça a isenção de pena ou excludentes de crime (inciso IV). Destas causas, faz coisa julgada as dos incisos I, II e III (no tocante à excludente de crime).
Ultrapassada esta fase processual, poderá o juiz absolver o acusado na sentença[3], agora com fundamento no artigo 386 do CPP, aplicável a todos os procedimentos.
Dos fundamentos de absolvição temos que os constantes nos incisos I (estar provada a inexistência do fato), IV (estar provado que o réu não concorreu para a infração penal) e VI (existirem circunstâncias que excluam o crime), fazem coisa julgada no cível.
As demais situações permitem que o juízo cível analise a matéria e responsabilize o autor do fato mesmo que absolvido criminalmente.
A questão que levantamos é se o acusado, absolvido criminalmente, tem interesse recursal para apelar visando modificar o fundamento da sentença absolutória.
Pensamos que sim, pois se o acusado é absolvido pelo artigo 386 inciso V (não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal) ou pelo inciso VII (não existir prova suficiente para a condenação), por exemplo, poderá ser responsabilizado civilmente pelo dano causado, já que estas sentenças não fazem coisa julgada no cível.
Perfeitamente possível, neste caso, o acusado/absolvido ingressar com recurso de apelação visando modificar o fundamento da absolvição para o inciso IV (estar provado que o réu não concorreu para a infração penal), por exemplo, o que faria coisa julgada no cível.
Desta forma, pelos efeitos jurídicos que a modificação da sentença ocasionará, teria ele interesse recursal.


[1] O Código de Processo Penal, a partir do artigo 63, dispõe sobre a ação civil ex delito.
[2] Observamos que entre as causas de excludente de criminalidade a doutrina elenca algumas exceções.
[3] No caso do Tribunal do Júri o conselho de sentença.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

A falsa ideia de que a lei penal previne a criminalidade

A Lei Maria da Penha, que entrou em vigor em 2006 para combater a violência contra a mulher, não teve impacto no número de mortes por esse tipo de agressão, segundo o estudo “Violência contra a mulher: feminicídios no Brasil”, divulgado nesta quarta-feira (24) pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

As taxas de mortalidade foram 5,28 por 100 mil mulheres no período 2001 a 2006 (antes da lei) e de 5,22 em 2007 a 2011 (depois da lei), diz o estudo.
Conforme o Ipea, houve apenas um “sutil decréscimo da taxa no ano 2007, imediatamente após a vigência da lei”, mas depois a taxa voltou a crescer.
O instituto estima que teriam ocorrido no país 5,82 óbitos para cada 100 mil mulheres entre 2009 e 2011. "Em média ocorrem 5.664 mortes de mulheres por causas violentas a cada ano, 472 a cada mês, 15,52 a cada dia, ou uma a cada hora e meia”, diz o estudo (Fonte G1).
Para visualizar a pesquisa e demais dados click aqui.

Isso apenas comprova aquilo que é defendido há muito tempo pela criminologia crítica, que o Direito Penal é absolutamente ineficaz para reduzir a criminalidade.

Está aí uma demonstração empírica de que não é através do Direito Penal (aumento de pena, criminalização de condutas, redução da maioridade penal) que a violência será combatida.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Pesquisa sobre crack mostra o perfil do consumo no Brasil

Pesquisa encomendada pela Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas (Senad) à Fiocruz levantou dados sobre os usuários regulares de crack e/ou de formas similares de cocaína fumada (pasta-base, merla e oxi), os quais somam 370 mil pessoas nas 26 capitais brasileiras e no Distrito Federal.

Considerada uma população oculta e de difícil acesso, ela representa 35% do total de consumidores de drogas ilícitas, com exceção da maconha, nesses municípios, estimado em 1 milhão de brasileiros. 

A constatação está no estudo Estimativa do número de usuários de crack e/ou similares nas capitais do país, divulgado nesta quinta (19/9) pelos ministérios da Justiça e da Saúde. A metodologia usada na pesquisa é inédita no Brasil, pois foi a única até o momento capaz de estimar de forma mais precisa essa populações de difícil acesso.

Dentre os 370 mil usuários de crack e/ou similares estimados, tem-se que cerca de 14% são menores de idade, o que representa aproximadamente 50 mil crianças e adolescentes que fazem uso dessa substância nas capitais do país.

Mais dados ver aqui.

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

MAPA DA VIOLÊNCIA: homicídios e juventude no Brasil 2013

O MAPA DA VIOLÊNCIA: homicídios e juventude no Brasil 2013, apresentado pelo Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos (CEBELA), revela dados importantes como por exemplo:
  • A taxa de homicídios da população total, que em 1996 – últimos dados desse primeiro mapa - era de 24,8 por 100mil habitantes, cresceu para 27,1 em 2011. 
  • A taxa de homicídios juvenis, que era de 42,4 por 100mil jovens foi para 53,4. 
  • A taxa total de mortes em acidentes de transporte que em 1996 era de 22,6 por 100mil habitantes cresceu para 23,2. A dos jovens, de 24,7 para 27,7.
  • Também os suicídios passaram de 4,3 para 5,1 na população total e entre os jovens, de 4,9 para 5,1.
Acesse o estudo aqui e aprofunde o debate.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

ESTUDO REVELA DESCASO PÚBLICO COM MENORES INFRATORES

O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) divulgou relatório neste dia 08 de agosto de 2013, onde afirma que as unidades de medidas socioeducativas para menores infratores estão superlotadas em 15 estados e no Distrito Federal. Em todas as unidades da federação, há 15.414 vagas, mas o total de jovens cumprindo punições é de 18.378 - déficit de quase 3 mil vagas -, de acordo com os dados.

O estudo, intitulado "Um Olhar mais atento às unidades de internação e semiliberdade para adolescentes" revela dados preocupantes e as mazelas do sistema de execução das medidas socioeducativas.

O estudo fez um comparativo com os dados do IBGE e demonstrou que a faixa etária dos jovens que mais cometem atos infracionais (16 a 18 anos) coincide com a faixa etária que possui o maior índice de evasão escolar.

As informações apontam que, entre os menores nas unidades de internação ou semiliberdade, mais da metade das infrações cometidas foram roubo (38,1% das punições) e tráfico (26,6%). Dos que cumprem medidas socioeducativas, 8,4% cometeram homicídio e 5,6%, furto.

Sobre a redução da maioridade penal, o relatório destaca que "há um grande desconforto social pelo envolvimento de adolescentes em atos de requintada violência, amplamente divulgados nos veículos de comunicação, e que estão a merecer, de fato, atuação mais efetiva do sistema socioeducativo. Entretanto, limitar a problemática infracional ao debate sobre a redução da maioridade penal é, de todas e de longe, a saída mais fácil e menos resolutiva".

Os dados completos podem ser vistos aqui.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

A EXTRATERRITORIALIDADE DA LEI BRASILEIRA PARA ATOS INFRACIONAIS COMETIDOS NO EXTERIOR: CASO KEVIN D. B. ESPADA


Rodrigo César de Camargo[1]
Fabiano Oldoni[2]
SUMÁRIO
Introdução; 1 Caso Kevin Douglas Beltrán Espada; 2 Eficácia da lei penal no espaço; 2.1 Princípio da territorialidade; 2.1.1 Conceito de território; 2.2 Lugar do crime; 2.3 Extraterritorialidade; 2.3.1 Extraterritorialidade incondicionada; 2.3.2 Extraterritorialidade condicionada; 3 A (im)possibilidade de responsabilização do menor H.M.A;  Considerações finais; Referências.

RESUMO
O objetivo do presente artigo científico é analisar, com base nas leis e na doutrina, a possibilidade ou não de ser a legislação brasileira aplicada ao ato infracional cometido no estrangeiro, com fundamento na regra de extraterritorialidade prevista no artigo 7º, inciso II, alínea “b”, do Código Penal, usando-se como paradigma o caso recentemente ocorrido na Bolívia. Para tanto, utiliza-se a base lógica indutiva, que busca “pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter percepção ou conclusão geral”[3]. Inicialmente, faz-se referência ao acontecimento vivenciado na Bolívia, que acabou ceifando a vida de Kevin D. B. Espada. Em seguida, estabelecem-se as bases teóricas para a resolução da questão-problema, enfrentando, no ponto, a eficácia espacial da lei penal, seus princípios e a forma como está disciplinada em nosso ordenamento jurídico. Por fim, utilizando-se das lições da doutrina moderna, verifica-se a possibilidade de, em questões desta estirpe, responsabilizar o menor infrator, no Brasil, pelo ato cometido no estrangeiro, a fim de que se preserve o exato sentido e alcance da mens legis.

terça-feira, 2 de julho de 2013

55% de nossas crianças são analfabetas e você ainda luta pela redução da maioridade penal?

  
inclusive.org.br
 Pesquisa realizada em 2012 pelo movimento da sociedade civil brasileira Todos Pela Educação (veja os dados), e divulgada em junho de 2013, apresenta dados preocupantes em relação ao analfabetismo no ensino fundamental no Brasil.
  A pesquisa analisou 54 mil crianças de 2º e 3º anos de escolas públicas e privadas de 600 municípios de todo o país e teve por base investigar o índice de analfabetismo nesta faixa escolar.
  Destaca-se que o objetivo da pesquisa era avaliar aquele aluno que aprendeu a ler, e sabe ler e escrever para aprender, ou seja, que já tem autonomia para seguir aprendendo. Portanto, não se trata de pesquisa sobre o letramento.
  O estudo revela que apenas 44,5% dos alunos do 3º ano possuem proficiência adequada em leitura, ou seja, 55,5% não a possuem.
  Considerando que o índice acima representa uma média nacional, a situação fica ainda mais crítica se analisarmos os índices de forma regionalizada. No Pará 80% dos alunos com 8 anos de idade não sabem ler adequadamente e em Alagoas o índice é ainda mais alarmante, sendo que apenas 13,7% dos alunos do ensino fundamental apresentaram um resultado adequado, ou seja 86,3% não foram aprovados na avaliação.
  A situação é gravíssima, se observarmos que este problema se arrasta por muitos anos no Brasil e, pelo jeito, irá se alongar por mais algumas gerações, já que a pesquisa constatou que 70% dos alunos que terminam o 3º ano do ensino fundamental não tem domínio de noções de escrita e matemática.
  Enquanto isso, vamos às ruas empunhando cartazes exigindo a redução da maioridade penal, mas não fazemos o mínimo de protesto com relação ao caos do ensino brasileiro.
  Professores com salários aviltantes, despreparados, escolas com estrutura física precária, e nos importamos com a punição do jovem infrator.
  Essas crianças que hoje são analfabetas funcionais, que não conseguem aprender com a leitura, mesmo que saibam ler e escrever, são os futuros (não todos é claro) jovens “marginais”, e, talvez, só serão lembrados pelo Estado, através da “mão” forte e estigmatizante do direito penal, quando praticarem um ilícito qualquer.
  Você, que apoia a redução da maioridade penal, deveria sair às ruas e exigir uma educação de qualidade, melhores condições e salários aos professores, bem como professores mais qualificados.  
  Lembre-se, nossos jovens são muito mais vítimas da violência institucional que geradores de violência.
  Preste atenção, esses dados revelam que nossas crianças já são, desde tenra idade, esfolados no direito básico de aprender, vítimas da hipocrisia que permeia o cenário escolar, onde a informação vale mais do que o conhecimento, onde o ensinar e aprender resume-se em alguém fazer (professor) e outro imitar (aluno), onde o importante é preparar a mão-de-obra para o mercado de trabalho, onde o pensar/refletir/raciocinar é substituído pelo “fazer bem feito”.
  Você, que perde tempo indo às ruas pleitear a redução da maioridade penal, deveria ter vergonha de levantar esta bandeira “burra” que visa atacar o efeito (violência juvenil) em detrimento da causa (jovem ignorante do saber).
  Os dados não mentem e evidenciam que a discussão gira longe do direito penal.
  Eu não entendo nada de pedagogia, mas entendo o suficiente do sistema de controle social formal para concluir que o direito penal não serve para reduzir a violência juvenil.

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Abaixo à PEC 37..... e agora José?


Rejeitada a PEC 37, serenados os ânimos (ou ainda não?), quero fazer um questionamento aos "operadores" jurídicos de plantão.

Vamos considerar que agora o MP possa sozinho investigar criminalmente (penso que a CF não lhe atribuiu este direito, mas não vou discutir a questão). Então, qual é o procedimento a ser aplicado ao MP em suas investigações? 

Irá ele investigar por meio de inquérito policial? Não né, este procedimento é exclusivo do delegado e somente ele pode instaurar.

Caso o MP prenda alguém em flagrante delito, irá elaborar o Auto de Prisão em Flagrante? Também não, pois este procedimento é exclusivo da autoridade policial.

Então não tem o MP procedimento que possa utilizar para investigar? certamente não...

Como faremos? 

Amanhã você descobre que está sendo investigado criminalmente pelo MP, como irá fazer sua defesa na fase de investigação? qual é o prazo que o MP tem para investigar, o que ele pode fazer e de que forma pode ser feito? Você tem direitos e garantias nesta investigação? Como vai exercê-los?

Notaram, não há nenhuma regulamentação para os atos autônomos de investigação do MP. E não me venham falar que existe, por parte da corregedoria do MP, um ato regulamentando o procedimento de investigação conduzidos exclusivamente por eles.

Até onde sei, a competência para legislar em matéria processual é da União.

É conveniente prestarmos atenção para esse simples detalhe que tem passado despercebido, sob pena de daqui a pouco estarmos nos manifestando a favor da limitação dos poderes do MP.

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Cuidado com os juízes pop estar, eles são mais "perigosos" que os legalistas

Meus alunos do semestre passado são prova de que antecipei o que está acontecendo agora.
Quando da publicação da “frankenstein” sentença que aplicou a pena de 98 anos e 10 meses a Lindenber Alves, a comunidade jurídica ficou atônica com a dosimetria utilizada pela juíza pop star.
Além das inúmeras ilegalidades contidas na aplicação da pena, que não cabe aqui discorrer, chamou a atenção a atitude exibicionista da funcionária pública que exerceu a função jurisdicional naquele processo.
Comentei em sala de aula que referida sentença havia sido proferida para satisfazer a vontade pública, mesmo que para isso fosse necessário esquecer as regras básicas da dosimetria de pena, ensinadas nos primeiros anos do curso de Direito.
Também especulei que a pena aplicada pela pop star antecipava um problema futuro, qual seja o descrédito da justiça, uma vez que referida punição seria certamente diminuída pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, deixando a juíza sentenciante numa posição de paladina, aclamada pelo senso comum e midiático, enquanto o Tribunal de Justiça seria o órgão anti-justiça.
E de fato isso ocorreu, já que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo reduziu a pena para 39 anos e 3 meses.
A pena aplicada em primeiro grau reproduz uma fatia de funcionários públicos que julgam com o pensamento voltado à opinião pública, esquecendo-se das regras básicas do direito.
Estes funcionários públicos, quando assim agem, são inconsequentes e irresponsáveis, uma vez que julgam contra a lei e bem o sabem que suas sentenças serão reformadas em grau de recurso, o que motiva uma visão distorcida do judiciário, onde aquele que julga contra a lei é o correto (justiceiro) e aquele que segue a lei é o errado (injusto).
Não é possível crer que a juíza tenha se equivocado na aplicação da pena. A diferença entre a pena aplicada por ela e a aplicada pelo Tribunal de Justiça é de quase 60 anos.
Para mim não houve apenas erro no julgar, houve má-fé e desonestidade jurídica.
Qualquer noticiário no sentido “Tribunal de Justiça reduz pena em mais de 60 anos”, sem explicar as questões jurídicas implicadas na espécie, autorizará a conclusão lógica de que alguma coisa não está certa no reino dos juízes. E não está mesmo, ou você acha isso um erro normal e aceitável?
Por isso é bom abrirmos o olho para estes juízes pop star, pois eles fazem mais estragos que os legalistas, ou como dizia Montesquieu, os bocas da lei.

terça-feira, 21 de maio de 2013

Diferenciando Renúncia de Decadência


A renúncia e a decadência são causas de extinção de punibilidade (art. 107 CP), aplicáveis aos crimes de ação penal privada, no primeiro caso, e privada e pública condicionada, no segundo.
Apesar de institutos distintos, mas por terem o mesmo efeito, a renúncia e a decadência acabam por não ser diferenciados adequadamente.
A decadência (e aqui trataremos apenas dos crimes de ação penal privada) ocorre quando o ofendido não oferece a queixa crime no prazo de 06 meses, a contar do conhecimento do autor do fato. É uma negligência da vítima, que por opção ou descuido não exerce o direito de ação.
A renúncia, por sua vez, ocorre quando o ofendido opta por não exercer o direito de queixa crime e, portanto, só se da antes do oferecimento da ação, logicamente.
Sim, mas se ambas se configuram pelo não oferecimento da queixa, qual a diferença, então?
A diferença é que na decadência deve haver a omissão do ofendido, que por ficar inerte deixa transcorrer o prazo decadencial sem interpor a ação penal.
Já a renúncia, apesar de aparentar uma omissão por parte do ofendido, caracteriza-se por sua postura ativa (renúncia tácita e renúncia expressa). A primeira ocorre quando o ofendido pratica atos (veja, age ativamente) incompatíveis com a intenção de processar o autor do fato, como, por exemplo, mantém amizade íntima ou relacionamento amoroso mesmo após a prática do crime. Já a renúncia expressa é a manifestação escrita, onde o ofendido renuncia ao direito de queixa.
Portanto, a principal diferença entre elas é que na decadência o ofendido se omite e na renúncia o ofendido pratica algum ato que demonstra sua real intenção em não processar.
A confusão pode aumentar quando o ofendido apresenta a queixa crime apenas contra um dos autores do crime: “A” e “B” praticaram o crime contra “C”, e este oferece a queixa apenas contra “A”.
Pelo princípio da indivisibilidade, não pode o ofendido “dividir” a queixa crime e deixar um dos autores do fato de fora. O artigo 49 do CPP garante que a renúncia ao exercício de queixa, em relação a um dos autores do crime, a todos se estenderá, ou seja, oferece a queixa contra ambos ou não processa ninguém.
Neste caso o ofendido, por ter se omitido em relação ao “A” (não ter oferecido a queixa contra ele), deu causa a renúncia que se estende também ao “B”.
Então temos um caso de renúncia por omissão, já que não praticou nenhum ato (tácito ou expresso)? Mas isso não seria decadência?
Realmente, há uma confusão legislativa neste sentido, posto que em se aceitando a renúncia no caso de omissão (como o narrado acima), esta se confundiria com a decadência.
Como resolver este problema? Pela atual legislação, não há como. O que impede isso é a indivisibilidade da ação penal privada. Se não houvesse a indivisibilidade, poderíamos ter a coexistência de renúncia e decadência: “A” e “B” praticam crime contra “C”, o qual, antes dos 6 meses renuncia (tácita ou expressamente) o direito em relação a “A”. Passados os 6 meses e não tendo “C” oferecido a queixa contra “B”, ocorreria para este a decadência.
Contudo, na atual legislação, isso não é possível, acarretando uma confusão conceitual entre decadência e renúncia.

terça-feira, 7 de maio de 2013

Pela NÃO redução da maioridade penal


Um jornal local me enviou algumas perguntas sobre a febre do momento nos meios de comunicação: A redução da maioridade penal. 

Abaixo seguem as respostas, apenas para conhecimento de quem se interessa pelo assunto:

1 – É notável hoje a grande participação dos adolescentes em crimes. Quais são a maioria dos delitos cometidos por ele?

R: A grande maioria dos atos infracionais praticados por adolescentes é contra o patrimônio, sem violência contra a pessoa, portanto infrações leves. Segundo pesquisa realizada em São Paulo, apenas 5% dos atos praticados podem ser considerados hediondos. O que vemos hoje na mídia é uma manipulação da informação, já que apenas os atos graves são noticiados, como que de forma pontual. Basta observarmos a nossa região, qual é a quantidade de atos infracionais praticados por adolescentes? pequena, mas se um adolescente matar alguém, logo isso vira notícia e a sensação falsa de que isso é corriqueiro e está aumentando é passada por alguns setores "mal intencionados". Portanto a primeira parte da pergunta não é verdadeira, pois não há um aumento na participação de menores em atos infracionais, o que há é um noticiário maior e com o objetivo de passar a sensação de insegurança coletiva.

2 – Você acha que a redução da maioridade penal iria contribuir para a diminuição dos crimes cometidos por adolescentes?

R: O grande equívoco de quem não estuda o Direito Penal como ciência é achar que ele reduz a criminalidade. Este pensamento é absolutamente falso. Na verdade o direito penal reproduz muito mais violência do que a elimina. Nos últimos 20 anos tivemos um aumento de encarceramento de quase 5 vezes, hoje contamos com mais de 500 mil presos. Neste mesmo período a criminalidade não diminui, pelo contrário, aumentou. Isso demonstra que a redução da criminalidade não passa pelo encarceramento, mas sim por outras questões que não cabe ao direito penal resolver. Portanto, sustentar que com a diminuição da maioridade penal os atos infracionais praticados por adolescentes (que então passariam a ser crimes) irá diminuir, é uma afirmativa incorreta, sem base alguma, e é sustentada muito mais pelo calor de algum fato isolado, do que com a razão. Este assunto não pode ser enfrentado com a emoção (respeito o sentimento de quem foi vítima de adolescentes infratores), mas sim com a razão. E o que a razão, o estudo, a pesquisa séria nos mostra? Que o direito penal não é o instrumento apropriado para reduzir criminalidade, não é com o encarceramento que se resolve a questão criminal. O nosso sistema penal não melhora ninguém, e colocar o menor neste sistema não trará nenhum benefício para ele e sequer para a sociedade, que logo terá que recebê-lo pior do que antes.

3 – Muitas vezes, tentam apontar o adolescente como responsável por um crime cometido por um adulto. A diminuição não seria importante para mudar isto?

R: Isso não é justificativa para reduzir a maioridade penal. Se pensarmos assim, iremos reduzir para 16 anos, então irão indicar que um menor de 16 foi o autor do ato. Reduziremos para 14, e logo indicarão que um menor de 14 foi o autor. Portanto, este argumento não se sustenta.

4 – Você acha que apenas as medidas socioeducativas podem “mudar” os adolescentes infratores? O que falta para isso acontecer no Brasil?

R: O Brasil tem um dos melhores Estatutos da Criança e do Adolescente do mundo, mas por que não funciona, por que não é aplicado. Não há sequer locais apropriados para os menores serem acompanhados, não há estrutura para ajudar o menor infrator. O Estado é omisso neste ponto. Se aplicarmos o que já existe, mas aplicarmos com eficiência, certamente teríamos uma diminuição na prática de atos infracionais. Pesquisas sérias indicam que nas instituições que se aplica o ECA, a reincidência é muito menor do que nos locais onde o ECA não é aplicado. Portanto, antes de pensarmos em reduzir a maioridade penal, de aplicar o direito penal aos menores de 18 anos, deveria o Estado esgotar todas os recursos preventivos, o que não faz. O direito penal só deve ser aplicado quando todos os demais sistemas de contenção falharem. E ninguém desconhece que o Estado não tem feito o mínimo no caminho preventivo. Nem mesmo clínicas públicas para tratamento de dependentes químicos existe de forma suficiente, e sabemos que muitos atos ilegais são decorrentes do uso de drogas.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

O BRASILEIRO CUMPRE LEI?



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Pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas, sobre a percepção do cumprimento de regras no Brasil, demonstra alguns dados interessantes e preocupantes.


Inúmeras conclusões podem ser tiradas de referida pesquisa, como, por exemplo, que o brasileiro compreende que fazer os atos pesquisados é errado, porém mesmo assim os pratica.
O estudo mostra que 94% dos pesquisados disseram que acham errado atravessar a rua fora da faixa de segurança, contudo 72% assumiram que já fizeram isso nos últimos 12 meses. E assim com a compra de CD e DVD pirata (91% acham errado e 60% dizem ter feito), dirigir depois de consumir bebida alcoólica (99% acham errado e 14% assumem ter feito).
Também chama a atenção o percentual de brasileiros que diz ser fácil desobedecer às leis no Brasil (82%), enquanto que 79% acham que o brasileiro sempre que possível, opta pelo “jeitinho” ao invés de seguir a lei.
Porém o que mais nos chama à reflexão é o percentual de pessoas que assumem existir poucas razões para uma pessoa (como ela) seguir a lei (54%).
Este dado é extremamente preocupante e acende um sinal de alerta, justamente porque evidencia que muitas pessoas se acham “autorizadas” a descumprir uma norma jurídica. A pesquisa não demonstra qual é a lei que o entrevistado se acha no direito de descumprir (se penal, civil, administrativa ou de trânsito), contudo nos exige algumas reflexões, especialmente no campo penal, ainda mais neste período em que alguns setores “desavisados” da sociedade trazem à discussão a redução da maioridade penal.
Se pensarmos que 54% dos brasileiros se sentem autorizados a descumprir uma lei penal, evidente que não será através da criminalização de condutas (criação de novos tipos penais), da ampliação do encarceramento (redução da maioridade penal), que os índices de criminalidade (ou descumprimento da lei) serão reduzidos.
O problema está muito além do direito e quicá do direito penal. Penso que esses dados refletem a condição moral de um povo, afeto ao “jeitinho” para conseguir o que quer, mesmo que para isso tenha que ir contra a norma.
Em uma narrativa genial, Fiódor Dostoiévshi, em Crime e Castigo, retrata o personagem de Raskólnikov, estudante em precárias situações econômicas e financeiras, que se acha no direito (moral) de praticar um assassinato. Entende ele que a sua condição humana lhe autoriza a praticar referido crime.
Nos parece que este dilema retratado por Dostoiévshi se reproduz na sociedade brasileira, onde 54% dos entrevistados assumem não ter motivos (morais) para seguir a lei. É como se essas pessoas estivessem imunes às normas e suas condições pessoais lhes autorizassem a praticar algum ilícito. Repito, não temos como saber se estas pessoas se sentem autorizadas a praticar infrações penais ou apenas infrações administrativas/trânsito, mas não deixa de ser um indicativo precioso (e triste) e que deve ser levado em consideração quando da elaboração de leis penais, especialmente aquelas que criminalizam novas condutas e aumentam a pena das já existentes, sob o discurso de que isso fará com que o fato social (agora criminalizado) ou o crime (agora com pena mais alta) deixe de ser praticado.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Incêndio na Boate Kiss e a banalização do dolo eventual


Tenho uma certa resistência em aceitar algumas decisões. A banalização do dolo eventual pelo judiciário, para atender ao clamor público, tem causado espécie.


Neste caso específico (incêndio na Boate Kiss), não há como compreender que os acusados por homicídio doloso (dolo eventual) tenham aceitado o resultado final. Se vocês observarem no slide (click) que está atrás dos promotores que concedem a entrevista, verão que o dolo eventual exige a previsão do resultado e aceitação dele. Ou seja, não basta eu prever o resultado morte, mas de alguma forma aceitar que ele ocorra. Exemplificando de forma bem simplista, seria como se os acusados tivessem consciência de que o incêndio poderia ocorrer (previsão) e pensassem, "não tem problema, se ocorrer e tiver vítima não me importo" (aceitação). 

Não conheço o inquérito policial que apurou o fato, mas fico imaginando como a polícia conseguiu demonstrar que os 4 acusados tenham aceitado o resultado morte, ou não se importaram que isso pudesse ocorrer. Ao menos que eles tenham confessado em seus depoimentos, de outra forma é muito difícil, senão quase impossível provar a aceitação do resultado, por que isso, na maioria das vezes, fica no íntimo da pessoa, ninguém sai por aí falando que quer o resultado. Talvez alguns atos possam demonstrar a aceitação deste resultado, mas convenhamos, alguém ali desejava que a tragédia fosse ocorrer? 

Não há dúvida que estão fazendo tábua rasa da teoria do dolo eventual, da mesma forma que fazem nos homicídios ocorridos em acidente de trânsito.

Antes que alguém se manifeste, não estou aqui querendo impunidade, mas apenas que a punição seja dada, se for o caso, dentro dos parâmetros legais e teóricos (teoria do delito).

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

A reincidência enquanto instrumento estigmatizador

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As prostitutas, os viciados em drogas, os delinquentes,
os criminosos, os boêmios, os ciganos, os vagabundos,
os gigolôs, os malandros, os homossexuais e os mendigos
sãos os desviantes sociais, percebidos como incapazes
de usar as oportunidades para o progresso.
Falta-lhes moralidade.
(Ervin Goffman)  

Estigma[1], para os gregos, era um termo empregado para designar sinais corporais com os quais se procurava evidenciar algo de extraordinário ou mau sobre a moral daquele que os apresentava.
Os sinais eram feitos com cortes ou fogo no corpo e avisavam que o portador era um escravo, criminoso, alguém marcado para sempre e que deveria ser evitado, não tocado. O estigma era associado a algo de ruim.
Na era cristã, o estigma apresentou-se sobre duas novas facetas: como sinais corporais de graça divina (os estigmas de Cristo crucificado, por exemplo) e como distúrbio físico.
Na atualidade, o termo é mais usado na acepção original grega, representando algo de mau, uma desgraça (do italiano disgraziato: infeliz, deformado).
Para Goffman o indivíduo apresenta-se com uma identidade social virtual - aquilo que imputamos ao indivíduo - e com uma identidade social real – atributos que ele prova possuir. E não raras vezes a identidade social virtual é diversa da identidade social real. Quando essa discrepância ocorre, acaba por estragar a identidade social do indivíduo, afastando-o da “sociedade e de si mesmo de tal modo que ele acaba por ser uma pessoa desacreditada frente a um mundo não receptivo”.
O estigma pode apresentar-se a partir de uma deformidade física, do caráter individual moral ou da raça/religião/nação. Alguém pode ser estigmatizado por ser portador de alguma “deficiência” física, pela aparente “deficiência” moral[2] (desempregado, malandro, vadio, preso, viciado), ou por ser oriundo de determinada classe social, país ou seguidor de determinada religião.
O estigma é tão representativo em nossa cultura que se acredita que o estigmatizado não seja um humano “normal”, derivando, daí, as discriminações, onde os termos pejorativos estigmatizantes acabam por reduzir o indivíduo a um “ser” cego, aleijado, criminoso, homossexual, malandro etc.
Explica Goffman que “construímos uma teoria do estigma, uma ideologia para explicar a sua inferioridade e dar conta do perigo que ela representa, racionalizando algumas vezes uma animosidade baseada em outras diferenças, tais como as de classe social. Utilizamos termos específicos de estigma como aleijado, bastardo, retardado, em nosso discurso diário como fonte de metáfora e representação, de maneira característica, sem pensar no seu significado original”.
Também o processo penal pode ser caracterizado como um instrumento estigmatizador, o qual se constitui num fardo que o acusado carrega sozinho. Só quem já foi alcançado pela grande e pesada “mão” da agência de controle penal consegue dimensionar quão representativo é responder a um processo crime. Mesmo com uma absolvição, a marca indelével de ter sido processado acompanha o sujeito pelo resto de sua vida.
Vez ou outra, já quase no esquecimento, terá alguém ou uma situação que o faça lembrar-se do processo crime que respondeu, obrigando-o a reviver todo aquele passado que procura esconder. Eventual absolvição não altera a marca, já que a culpa, como lembra Bauman[3], nada mais é senão o próprio fato de haver sido acusado, de ter sido levado a julgamento e essa é uma culpa que não se pode negar, por mais que demonstre sua inocência e por mais sólida que seja a prova que colija para sustentar a demonstração.
Se o fato de ser processado criminalmente já marca o sujeito, a condenação estigmatiza-o ainda mais, seja pela desconstrução psíquica do ser, a partir de uma internacionalização do adjetivo criminoso, seja pela exteriorização à sociedade de sua condição de condenado. 
A sociedade enquanto instituição estigmatizadora é até aceitável, frente a questões culturais que não se modificam em períodos curtos, onde o “ser” perfeito e sem defeitos que não tem nada a reclamar é o homem jovem, branco, casado, pai de família, urbano, heterossexual, cristão, de educação universitária, bem empregado, de bom aspecto, sadio, bom peso, boa altura, esportista (Goffman).
Agora quando a estigmatização parte do próprio Estado, a situação agrava-se, pois além de ocorrer a sua institucionalização, a mensagem que o Estado repassa à população é que o estigma apresenta-se como um comportamento legítimo e aceitável.
A reincidência, institucionalizada e aceita pelo Estado, é o exemplo mais claro da estigmatização atribuída a alguém. É a marca que o Estado impõe a todos os condenados. É a etiquetização do “mau”, do “erro”, do ser humano “menos” humano, é a diminuição do indivíduo em comparação ao outro.
Já não basta toda a carga e embaraço que o processo penal impõe ao acusado, é necessário que a condenação deixe marcas no indivíduo por toda a sua vida, ultrapassando o limite temporal previsto no artigo 64, inciso I do CP. Acaba, após 5 anos, a reincidência legal, mas não a social. O condenado é “carimbado” como alguém que não pode ser esquecido pelo que fez.
A reincidência é um símbolo do estigma, empregado contra a vontade do informante (Goffman) e serve para reduzir o valor do indivíduo. 
O estigma da reincidência é tão forte que pode alcançar inclusive terceiros que se relacionam com o estigmatizado. É comum policiais abordarem para averiguação alguém que já teve “passagem” policial e revistarem todos os que com ele se encontram. É como se o “estar” com alguém que já teve “passagem” simboliza que não sou “confiável”. 
Goffman aprofunda o debate ao teorizar que “estar com ‘alguém’ é chegar em alguma ocasião social em sua companhia, caminhar com ele na rua, fazer parte de sua mesa em um restaurante, e assim por diante. A questão é que, em certas circunstâncias, a identidade social daqueles com quem o indivíduo está acompanhado pode ser usada como fonte de informação sobre a sua própria identidade social, supondo-se que ele é o que os outros são. O caso extremo, talvez, seja a situação em círculos de criminosos: uma pessoa com ordem de prisão pode contaminar legalmente qualquer um que seja visto em sua companhia, expondo-se à prisão como suspeito”.
Nessas circunstâncias, o indivíduo deixa de ser alguém pelo que é, para ser alguém pelo que fez. Não interessa mais o que ele pensa ou faz, pois a marca do seu “deslize” é o que sobressai e prevalece.
É usual encontrar sentenças penais onde consta que “o acusado é reincidente, tendo um perfil voltado ao crime”, ou seja, não se julga o fato presente, mas o fato pretérito.  É como se a reincidência autorizasse ou facilitasse a condenação. A consciência do julgador fica mais tranquila para condenar.


[1] As referências sobre a categoria Estigma foram extraídas da obra “Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada”, de Erwing Goffman, 4 ed., Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1988, 158 p.
[2] Segundo padrões de “normalidade” estabelecidos pela sociedade.
[3] BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998, p. 95.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Os efeitos da intempestividade da alegação final por parte do Ministério Público: o respeito à paridade de armas


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É muito comum encontrarmos processos crimes onde o Ministério Público tenha apresentado as alegações finais de forma intempestiva.

A partir daí, procuro analisar quais são os efeitos desta intempestividade. Será o processo anulado, deverá a alegação final da acusação[1] ser desentranhada do processo, ou poderá a defesa ter o mesmo prazo que a acusação para apresentar referida peça processual.

Neste momento não será analisado se o Ministério Público tem ou não o dever de apresentar a alegação final, mas apenas os efeitos de sua apresentação a destempo.

O STJ, através da sua 5ª Turma, pelo voto do Min. Felix Fixher, decidiu que a intempestividade na apresentação da alegação final por parte do parquet não acarreta a nulidade do processo:
 
A apresentação intempestiva das alegações finais pelo Ministério Público configura mera irregularidade, pois o prazo especificado no Código de Processo Penal é impróprio[2].

Este mesmo entendimento, amparado em argumento diverso, também foi proferido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais e pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

As alegações finais do Ministério Público apresentadas a destempo não equivalem à sua ausência, a ensejar a nulidade do processo, eis que a sua tardia apresentação nenhum prejuízo trouxe à defesa, permitindo-lhe conhecer as teses da acusação. [3]
 
Não há falar em nulidade processual pela apresentação intempestiva das alegações finais do Ministério Público Federal, ante a inexistência de prova de efetivo prejuízo à parte. [4]

Por sua vez, o antigo Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo entendeu pelo não desentranhamento da alegação final intempestiva:

Processo crime  Nulidade - Inexistência - Alegações finais extemporaneamente pelo Ministério Público - Mera irregularidade - Desentranhamento indeferido - Preliminar repelido. "Tratando-se de ação penal pública, indispensável a apresentação de alegações finais pelo órgão da acusação, ato essencial do processo. O eventual excesso de prazo somente poderia ser corrigido com a solicitação ao Procurador-Geral da Justiça de designação de outro representante do Ministério Público a oferecê-las. Jamais pelo desentranhamento das alegações tardias. [5]

Ora, se não se anula o processo e nem se autoriza o desentranhamento da peça processual, qual o efeito de sua apresentação extemporânea?

O contraditório, princípio consagrado no artigo 5º, inciso LV, da CRFB/88, é entendido como igualdade de condições ou paridade de armas, onde no "jogo processual" as partes (MP e defesa) devem iniciá-lo munidos com as mesmas “armas”, numa igualdade de direitos e deveres. Se ambos tem o direito de se manifestar sobre todos os documentos/fatos/atos existentes nos autos e também de contradizer as teses opostas, tem, da mesma forma, iguais deveres de cumprir os prazos processuais, sob pena de sanções.

Segundo Paulo Rangel[6] o "princípio do contraditório traz, como consequência lógica, a igualdade das partes, possibilitando a ambas a produção, em idênticas condições, das provas de suas pretensões".

Alexandre de Moraes[7], por sua vez, conceitua o contraditório como sendo “a própria exteriorização da ampla defesa, impondo a condução dialética do processo (par conditio), pois a todo ato produzido pela acusação caberá igual direito da defesa de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que melhor lhe apresente, ou ainda, de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor”.

Por fim, vale o ensino de Leonardo Greco[8]:

A doutrina processual sempre subordinou a garantia do contraditório à igualdade das partes, a que hoje se denomina de paridade de armas, pois, para que as partes possam influir eficazmente na formação da decisão judicial, todas elas devem desfrutar das mesmas faculdades e nenhuma delas deve ter mais do que as outras a possibilidade de oferecer alegações, propor e produzir provas.
Toda parte em um processo deve ter a possibilidade de expor e defender a sua causa em condições que não a inferiorizem perante a outra. Sem isso, não há garantia de um processo justo.
O contraditório pressupõe, portanto, que nenhuma das partes seja posta em posição de desvantagem em relação à outra na possibilidade de planejar a sua defesa e de realizá-la. Ambas as partes devem ter as mesmas oportunidades de sucesso no ganho da causa. Para assegurar essa paridade de armas, o juiz deve suprir as deficiências defensivas da parte em desvantagem. Isso é particularmente importante quando uma das partes está em situação de superioridade, como a Administração Pública.

 
Penso que a alegação final tardia por parte do Ministério Público deveria ser desentranhada dos autos, contudo uma forte corrente entende que é peça obrigatória e como tal não pode faltar no processo.

Então, no mínimo, deve a defesa, que fala depois, ter o mesmo prazo que o Ministério Público, ou seja, se a acusação apresenta a alegação final num prazo de 25 dias[9], a defesa poderá apresentá-la neste mesmo prazo, sob pena de afrontar a paridade de armas, a igualdade processual, o contraditório.

Ora, se a acusação teve um prazo de 25 dias para elaborar a sua peça processual, com calma, pesquisa e organização, é desarrazoável exigir da defesa uma manifestação em 5 dias (prazo legal previsto no CPP).


[1] Aqui nos referimos apenas às ações penais públicas, onde o Ministério Público é o detentor do direito de ação, já que na ação penal privada o não oferecimento da alegação final por parte do querelante (acusação) acarreta a perempção e a extinção da punibilidade (artigos 60 III do CPP e 107, IV do CP).
[2] HC 123544/ES - Julgamento: 04/06/2009.
[3] ACr 1268739.
[4] ACr 26464/PR.
[5] RT 588/341.
[6] Rangel, Paulo. Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008, p.18.
[7] MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 13.ed. São Paulo: Atlas, 2003. p.124.
[8] GRECO, Leonardo. A busca da verdade e a paridade de armas na jurisdição administrativa in Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VII, Nº 9 - Dezembro de 2006, disponível em http://fdc.br/Arquivos/Mestrado/Revistas/Revista09/Artigos/LeonardoGreco.pdf, acesso em 05fev de 2013.
[9] Lembrando que se o processo for de réu preso, o excesso de prazo pode acarretar, também, a soltura do acusado.