quarta-feira, 21 de maio de 2014

O Ser (des)plugado e outras tirinhas

Sociedade e Consumo de Massa

O surgimento da sociedade de massa fez surgir o consumo de massa. Se por um lado democratizou-se o consumo, com a inclusão na cadeia consumerista de classes sociais que até pouco tempo não sonhavam em ter o supérfluo, por outro tivemos uma banalização no gasto pessoal e familiar que levou muitas famílias ao crediário e juros altos, comprometendo grande parte da renda mensal.

O consumo é tão voraz que está presente em todos os momentos de nossas vidas. Ouso a dizer que ele nos impulsiona a viver: trabalhamos cada dia mais, porque queremos um rendimento maior, para poder consumir mais e melhor (casa, carro, mobiliário, roupas, boa comida, viagens etc.); estudamos por mais tempo, não apenas para adquirir o conhecimento técnico específico, mas para que este conhecimento possa aumentar nossa renda, o que nos autorizará a consumir mais (poucos são os que buscam conhecimento sem a intenção de agregar valor em um futuro próximo); quando não estamos trabalhando e estudando, utilizamos o período de folga para consumir. Isso mesmo. Nossos passeios são recheados de consumo: shoppings, viagens, cinemas, compras etc. 

No consumo de massa tudo é motivo para ser consumido, digerido pelo cartão de crédito e pelos carnês infindáveis. Até a informação virou mercadoria. Quem não consome informação diária e em grande quantidade sente-se fora do mercado e das relações sociais.

Cultura x Divertimento

Muitos pensam que em suas horas de lazer estão fazendo cultura, quando na verdade estão fazendo consumo e divertimento. Cultura não se consome, não é mercadoria a ser consumida, conforme explica Hannah Arendt.

A cultura não é instantânea, ela transcende ao homem, este ser mortal que passa por este mundo mortal. Passamos todos, e aquilo que fica, o belo e admirável, isso é cultura.

Consumindo os filhos

Esta forma de viver a vida vivida é prejudicial em muitos aspectos. Reflexos negativos podemos encontrar na educação dos filhos, onde até mesmo os pais que conseguem ter esta percepção sentem-se incapazes de lutar contra os apelos da indústria do divertimento/consumo. Seus filhos somam-se aos filhos daqueles pais que sequer percebem que os filhos estão sendo conduzidos pela “massa”: ou seja, todos, conscientes ou inconscientes, são “vítimas” deste processo.

O que fazer?

Com os filhos, limite e muito diálogo. Não da para exclui-los deste processo, mas é necessário que eles sejam educados para saber jogar este jogo. Conhecer as regras, os limites, até onde podem ir e o que pode ser prejudicial. Saber conciliar estudo com divertimento e com cultura. A presença dos pais, de forma efetiva, de corpo e alma, é imprescindível para que a criança não preencha este hiato com a internet e a televisão.

Jovens

Nesse contexto, a falta de conscientização dos jovens é um ponto a ser considerado. Em uma sala de aula, por exemplo, é comum alunos dividirem a explicação do professor com os passeios virtuais pela internet em seus celulares turbinados. Não há como o professor competir com as redes sociais, isso é fato.
Esta forma de relacionamento com o saber será exportada para os futuros locais de trabalho.

O ser (des)plugado

O ser constantemente plugado é um ser desatento, que confunde informação com conhecimento. Eu sei o que aconteceu no mundo hoje, mas pouco conheço o porquê destes acontecimentos.

Ignoro os motivos sociais, políticos e financeiros que movimentam estes fatos diários. Sei que eles ocorrem, mas não sei por que ocorrem.

A informação é rasa, superficial e passageira. O conhecimento exige raciocínio, pesquisa e vivência, o que não se consegue do dia para a noite.

Vou na onda das manifestações nacionais, mas nem sei o que, para que e para quem reivindico.
Sou um alienado social e político, que penso com a maioria, sem saber o que eles pensam. Bem no fundo, sou conduzido pela multidão só para ver no que vai dar.


O movimento até pode ser legítimo e necessário, isso não importa. Se não for, também estarei lá movimentando bandeiras.

quarta-feira, 7 de maio de 2014

A absurda "insignificância" nos crimes fiscais é até 20 mil (STF) ou 10 mil (STJ)?

O STF, ao julgar o HC 118.067/RS, em 25/3/14, reconheceu a insignificância nos crimes contra a ordem tributária para valores sonegados abaixo de R$ 20.000,00:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS IMPETRADO CONTRA ATO DE MINISTRO DE TRIBUNAL SUPERIOR. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: ART. 102, I, “I”, DA CF. MATÉRIA DE DIREITO ESTRITO. DESCAMINHO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. HABEAS CORPUS EXTINTO. ORDEM DEFERIDA DE OFÍCIO.
1. (...);
3. No crime de descaminho, o princípio da insignificância é aplicado quando o valor do tributo não recolhido aos cofres públicos for inferior ao limite de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), previsto no artigo 20 da Lei 10.522/02, com as alterações introduzidas pelas Portarias 75 e 130 do Ministério da Fazenda. Precedentes: HC 120.617, Primeira Turma, Relatora a Ministra Rosa Weber, DJe de 20.02.14, e (HC 118.000, Segunda Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 17.09.13)

A tese adotada pelo Supremo é de que o valor que era de R$ 10.000,00 para as execuções fiscais, portanto o piso para ser considerado como insignificante, foi alterado para R$ 20.000,00, pelas Portarias 75 e 130 do Ministério da Fazenda.

Esta decisão do Supremo reformou decisão do STJ, que naquele caso havia aplicado o piso de R$ 10.000,00, e afastada a insignificância.

Contudo, o STJ, em 25/4/14, ao julgar o REsp 1395052/SP, tendo como denunciado o ex-senador Luiz Estevão, voltou a afastar a insignificância para débitos tributários acima de R$ 10.000,00 e abaixo de R$ 20.000,00:

RECURSO EM ESPECIAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA TRIBUTÁRIA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. MANUTENÇÃO DO PARÂMETRO DE R$ 10.000,00 (DEZ MIL REAIS). INAPLICABILIDADE DA PORTARIA N. 75/2012 DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. RECURSO DA MINISTERIAL PROVIDO.
1. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça firmou compreensão no sentido de que os débitos tributários que não ultrapassem R$ 10.000,00 (dez mil reais), nos termos do art. 20 da Lei n.º 10.522/02, são alcançados pelo princípio da insignificância, entendimento que deve ser estendido aos crimes de apropriação indébita previdenciária, tendo em vista que a Lei n.º 11.457/2007 passou a considerar como dívida ativa da União também os débitos decorrentes das contribuições previdenciárias, dando-lhes tratamento similar aos débitos tributários.
2. Todavia, não é possível a aplicação do parâmetro de R$20.000,00 (vinte mil reais) trazido na Portaria n. 75/2012 do Ministério da Fazenda para reconhecer a insignificância nos delitos de descaminho, haja vista a inadmissibilidade de se alterar lei em sentido estrito por meio de portaria, a instabilidade de se vincular a incidência do direito penal aos critérios de conveniência e oportunidade que prevalecem no âmbito administrativo, a inadequação de se criar critério absoluto de incidência do princípio da insignificância e a irretroatividade do referido patamar.

O entendimento do Ministro Bellizze é no sentido de que o limite de R$ 20 mil instituído pela Portaria 75 do Ministério da Fazenda não pode ser usado para justificar a aplicação da insignificância penal, em vista da impossibilidade de se alterar lei em sentido estrito por meio de portaria. Além disso, o ministro considerou que seria um fator de instabilidade vincular a incidência do direito penal aos critérios de conveniência administrativa no âmbito tributário.

O primeiro argumento, a meu ver, está correto, sem falar na quebra da isonomia, se pensarmos que os crimes patrimoniais não tem limite mínimo para ser reconhecida a insignificância, podendo e muitas vezes até sendo afastada a insignificância em subtrações, apropriações indébitas, receptações ou estelionatos cujo valor do bem (prejuízo da vítima) é irrisório.

Certamente caberá ao Supremo a última palavra sobre o tema, com o diferencial que neste caso terá que enfrentar uma tese ainda não apreciada pela corte, se a Portaria do Ministério da Fazenda pode alterar lei ordinária (aprendemos, desde os primeiros dias do curso de Direito, que não pode, mas....)