quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Não sejamos ingênuos, pois de cândido eles não têm nada!

Artigo originalmente publicado no justificando (link)
Por Fabiano Oldoni e Mayara Cristina F. Oldoni
Cândido, romance escrito em 1758 por Voltaire, retrata um protagonista otimista, com certa incapacidade de comprometer-se com suas ações, sempre vislumbrando e garantindo-se na crença de um futuro promissor.
O personagem Cândido carrega no próprio nome o sentido de puro e inocente, desprovido de culpa, ingênuo. Recusa-se a encarar o mundo onde o mal muitas vezes prevalece sobre o bem (em virtude dos seus habitantes, que fazem desse mundo o que ele é). É um confiante na infalibilidade do destino, crente na certeza do melhor.
Para sustentar esta ideia de mundo Cândido agarra-se ao mestre Pangloss que como seu “guru” diz que o mundo é uma perfeição intocável, cada fato sendo sempre regido pela Providência Divina.
Voltaire escrevia contra a verdade de uma crença totalitária e as certezas trazidas pelas tradições. Acreditava que o verdadeiro aprendizado se dava através da valorização das diferenças culturais e costumes. Para ele todo conhecimento e todas as certezas devem ser examinadas com olhar de quem duvida e questionadas pela experiência e pela realidade.
Em Cândido, Voltaire nos convida a pensar onde nossas atitudes como homem bom, puro que somos, podem chegar? Quais os limites que devemos observar? Como nos comprometemos com aquilo que acreditamos?
Isso nos remete à reflexão de como observamos o que não nos “representa” enquanto grupo, família, hábitos, crenças, enfim, como vejo e nomeio este Outro que é tão igual, tão falível quanto Eu, mas que em determinados momentos coloco tão distante, vendo-o tão cruel.
E quantos de nós, agindo como Cândido, nos “apegamos” aos mestres que ditam o fazer, o pensar e o por vir? Quantas vezes buscamos “alguém” que nos garanta a tara de dizer que tudo está bem quando na verdade está mal?
O senso comum teórico[1] há muito reina entre nós. No campo do processo penal estamos vencendo batalhas diárias para superar alguns ranços trazidos pela “doutrina majoritária”, como por exemplo: a verdade real, enquanto engodo e artimanha para autorizar o juiz a produzir provas de ofício, quebrando a imparcialidade e se aproximando do sistema inquisitivo; o in dubio pro societate, sem previsão constitucional e não suportando um confronto com o princípio da presunção da inocência; o artigo 28 do CPP, que escancara o juiz acusador, numa afronta risível ao artigo 129 inciso I da CF; a não aplicação do contraditório e ampla defesa na fase investigatória; a desnecessidade de fundamentar a decisão que recebe a denúncia; a aplicação da Teoria Geral do Processo para o processo penal, com todos os problemas que isso tem causado, deixando de lado a necessidade de se criar categorias próprias ao processo penal.
No direito penal temos o discurso punitivista, de lei e ordem, encarcerando a pobreza e criminalizando o cotidiano, numa distorção da real função do direito penal surgido com o Estado Moderno, como limitador do poder punitivo estatal.[2]
Isso ainda é ensinado em muitos cursos de direito. Por isso há muita decepção com o Direito Penal e o Processo Penal. Mas as decepções nos fazem crescer, amadurecer, tirar as vendas das verdades que carregamos e encarar a realidade que nos compete e nos convida ao engajamento.
As decepções podem trazer aberturas, assim como Cândido pode observar depois de muito “ir ao encontro” de um destino fértil e feliz, que ele não se realiza se efetivamente não construirmos a realidade que queremos vivenciar. Esperar pelo Outro ou pelo destino, é aceitar o lugar de meros coadjuvantes de vidas e opiniões alheias.
Há quem viva num incessante “vir-a-ser”, acreditando nos “mestres”, “doutrinadores” e “legisladores” de toda ordem, sem ao menos permitirem que outras ideias possam servir-lhes de aperitivo.
Assim, ousamos dizer que quando os mestres são surdos, não há discípulo que escute.
Apesar das decepções diárias experimentadas com o sistema de controle penal, há uma em particular que nos atingiu sobremaneira. Como a angústia[3] propulsiona a reflexão, não poderíamos deixar de compartilhá-la.
A Câmara dos Deputados aprovou no mês de outubro de 2014 a Medida Provisória 651, que amplia o prazo do REFIS.
No texto da MP, foi acrescido no relatório do Deputado Newton Lima (PT-SP), a partir de uma emenda do Senador Gim Argello (PTB-DF), medida esta apoiada pelo líder do PMDB da Câmara Deputado Eduardo Cunha (RJ), um item anistiando parte das dívidas de condenados por desvios de recursos públicos.
O benefício inclui a redução ou até a exclusão de juros e multas, bem como o parcelamento em até 15 anos. Caso seja aprovada pelo Senado e sancionada pela presidência da república, a medida beneficiará empresas e empresários condenados a devolver bilhões aos cofres públicos, como é o caso do ex-senador Luis Estevão ou até mesmo do Grupo OK.
Por meio de assessoria, Argello disse que apresentou a emenda para atender o pedido de um prefeito de uma cidade goiana com dificuldade de quitar uma dívida de R$ 75 mil, que teria crescido muito em razão dos encargos[4].
Que nossos políticos trabalham em causa própria todos sabemos, agora o que chama atenção é ter o deputado em nota oficial admitido que propôs a medida para beneficiar uma determinada pessoa. Ou seja, perdeu-se a vergonha em escancarar os conchavos políticos ao grande público. É uma normalidade bestial legislar em causa própria que nem mesmo tenta-se esconder.
Esta medida representa quão rasteira é nossa política e como se legisla em prol de determinados grupos e pessoas.
Sob a ótica do Direito Penal, fica evidente a seletividade dos beneficiados. Para os amigos do rei, as benesses da lei, para os inimigos a dureza da lei.
Devemos esperar que o Senado faça sua parte e não aprove o benefício. Em mantendo-o, restará o veto presidencial. Uma terceira via para barrar este casuísmo absurdo é o STF. Por fim, caso superadas todas as barreiras de contenção, só podemos pleitear a sua extensão a todos os condenados ao pagamento de multas, seja na esfera criminal ou administrativa, independente do ilícito praticado, pelo princípio da isonomia.
Se prevalecer o benefício aos homens de “bem”, que tenhamos dignidade em estender esta imoralidade legal para todos os homens “maus” também.
Claude Lefort[5] consignou que a legitimidade do poder funda-se sobre o povo. À imagem da soberania popular junta-se a imagem de um lugar vazio, impossível de ser ocupado, de tal modo que os que exercem a autoridade pública não poderiam pretender apropriar-se dela, o que foi bem destacado por Zizek[6].
Com Voltaire, afirma-se que se o leitor aprende algo com a ingenuidade teimosa de Cândido, é justamente a plantar o seu jardim sem grandes ilusões, fazendo frente aos horrores do mundo com as mangas arregaçadas.
Portanto, são sejamos ingênuos e inocentes, pois de Cândido eles não tem nada.
 Fabiano Oldoni possui mestrado em Ciência Jurídica. É professor titular das disciplinas de Direito Processual Penal e Prática Jurídica Processual Penal pela Univali/SC. Autor do livro “Para que(m) serve o Direito Penal: uma análise criminológica da seletividade dos segmentos de controle social (2014 Lumen Juris)”. Advogado integrante de Silva & Oldoni Advogados Associados. Blog em www.fabianooldoni.blogspot.com.br. 
Mayara Cristina F. Oldoni é  Psicóloga com formação em Psicoterapia Fenomenológico-Existencial.

Bibliografia
OLDONI. Mayara Cristina F. Falando sobre consciência, disponível em http://www.psicoexistencial.com.br/falando-sobre-consciencia/#more-738.
JÚNIOR, Airto Chaves; OLDONI, Fabiano. Para que(m) serve o Direito Penal: uma análise criminológica da seletividade dos segmentos de controle social, Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2014.
LEFORT, CLAUDE. A invenção democrática. São Paulo: Brasiliense, 1987.
WARAT, Luiz Alberto. Introdução geral ao Direito, vol. I, Porto Alegre: Fabris Editor, 1994.
VOLTAIRE. Cândido. São Paulo:L&PM, 2013.
ZIZEK, Slavoj. Bem-vindo ao deserto do real. São Paulo: Boitempo, 2003.
Referências
[1] Sobre a expressão, explica Luiz Alberto Warat que “os juristas contam com um emaranhado de costumes intelectuais que são aceitos como verdades de princípios para ocultar o componente político da investigação de verdades. Por conseguinte se canonizam certas verdades e crenças para preservar o segredo que escondem as verdades. O senso comum teórico dos juristas é o lugar do secreto” (in Introdução geral ao Direito, vol. I, Porto Alegre: Fabris Editor, 1994, p. 15).
[2] Um estudo mais detalhado pode ser encontrado no livro Para que(m) serve o Direito Penal: uma análise criminológica da seletividade dos segmentos de controle social, Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2014, de Airto Chaves Júnior e Fabiano Oldoni.
[3] Estudo sobre a consciência, enquanto instrumento de perguntas, enfrentamentos, diálogo, relação, possibilidade de atuar profissional que foge ao mecanicismo diário, pode ser visto in OLDONI. Mayara Cristina F. Falando sobre consciência, disponível em http://www.psicoexistencial.com.br/falando-sobre-consciencia/#more-738, acesso em 29 de out. de 2014.
[4] Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/10/1536700-camara-alivia-multas-para-quem-desvia-verba-publica.shtml, acesso em 23 de outubro de 2014.
[5] LEFORT, CLAUDE. A invenção democrática. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 76.
[6] ZIZEK, Slavoj. Bem-vindo ao deserto do real. São Paulo: Boitempo, 2003.

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Homem de bem, que crime(s) você praticou hoje?

Por Airto Chaves Júnior e Fabiano Oldoni
Em 06 de março de 1927, o filósofo inglês Bertrand Russell (1872-1970) proferiu uma palestra em Battersea, organizado pela Secção do Sul de Londres da National Secular Society. O trabalho, intitulado “Porque não sou Cristão”, foi publicado posteriormente em 1957, quando foram reunidos textos e discursos do autor publicados e proferidos ao longo dos anos que antecederam a publicação, nesta oportunidade, acrescido do subtítulo “(…) e outros ensaios sobre religião e assuntos correlatos”.
Como matemático e, assim, apoiado nos pilares do logicismo, para apresentar as razões pelas quais não se considera um cristão, Russell procura, inicialmente, tratar de construir um conceito do que é “ser cristão”. Importa anotar que o conceito aqui trazido pelo autor e explicado a partir de significados partilhados que criam e sustentam a estrutura do “ser cristão” é, sem dúvida, objeto de concordância de quase que a totalidade das pessoas que se dizem cristãos. A partir disso, o autor identifica características indispensáveis que alguém, realmente cristão, deve ostentar. Dentre as muitas anotadas, vale registrar aqui o título que cuida do “Caráter de Cristo”. Neste campo, citamos o autor:
(…) Acho que há muitíssimos pontos em que concordo com Cristo muito mais do que o fazem os cristãos professos. Não sei se poderia concordar com Ele em tudo, mas posso concordar muito mais do que a maioria dos cristãos professos o faz. Lembrar-voceis que Ele disse: “Não resistais ao mau, mas, se alguém te ferir em tua face direita, apresenta-lhe também a outra”. Isto não era um preceito novo, nem um princípio novo. Foi usado por Lao-Tse e por Buda cerca de quinhentos ou seiscentos anos antes de Cristo, mas não é um princípio que, na verdade, os cristãos aceitem. Não tenho dúvida de que o Primeiro-Ministro (Stanley Baldwin), por exemplo, seja um cristão sumamente sincero, mas não aconselharia a nenhum de vós que o ferisse na face. Penso que, então, poderíeis descobrir que ele considerava esse texto como algo que devesse ser empregado em sentido figurado. Há um outro ponto que julgo excelente. Lembrar-vos-eis, por certo, de que Cristo disse: “Não julgueis, para que não sejais julgados”. Não creio que vós considerásseis tal princípio como sendo popular nos tribunais dos países cristãos. Conheci, em outros tempos, muitos juízes que eram cristãos sumamente convictos, e nenhum deles achava que estava agindo, no que fazia, de maneira contrária aos princípios cristãos. Cristo também disse: “Dá a quem te pede, e não voltes as costas ao que deseja que lhe emprestes”. (…) Há ainda uma máxima de Cristo que, penso, contém nela muita coisa, mas não me parece seja muito popular entre os nossos amigos cristãos. Diz Ele: “Se queres ser perfeito, vai, vende o que tens, e dá-o aos pobres”. Eis aí uma máxima excelente, mas, como digo, não é muito praticada. Todas estas, penso, são boas máximas, embora seja um pouco difícil viver-se de acordo com elas. Quanto a mim, não afirmo que o faça – mas, afinal de contas, isso não é bem o mesmo que o seria tratando-se de um cristão. 
Problema é que, a partir dos predicados levantados numa construção razoavelmente consensual (e que, fatalmente, aqueles que se consideram Cristãos concordam), desconfiamos que pouquíssimas (para não dizer nenhuma) das pessoas que se dizem Cristãos se encaixam nestes atributos. E, se assim o é, essas pessoas, apesar de se intitularem Cristãos, não o são.
Por via contrária, há uma probabilidade beirando a certeza de você que se diz Cristão (e, pelo que se verificou, não o é) ser, na verdade, um criminoso. Para tanto, faz-se necessário um exame de consciência e, sobretudo, apesar das dificuldades, uma autocrítica de seu comportamento diário. Antes, porém, façamos o que fez Bertrand Russell com a teoria ramificada dos tipos: conceituemos “criminoso”.
Creio que concordemos que “criminosa” é a pessoa que pratica algum crime. Dentro desta perspectiva, QUALQUER PESSOA que tenha o seu comportamento subsumido a algum tipo penal pode ser considerada delinquente.
Resolvida esta questão, façamos agora o exame de consciência e exercício de memória para verificar se praticamos alguns desses comportamentos listados a seguir: se emprestamos um objeto de alguém e não o restituímos, incorremos no crime de apropriação indébita; se nos embriagamos ou nos entorpecemos de outras formas e passamos a conduzir um veículo automotor com capacidade psicomotora alterada, praticamos o crime de embriaguez ao volante; se ameaçamos alguém para que pague uma dívida (legítima), incorremos no delito de exercício arbitrário das próprias razões; ao momento em que atribuímos adjetivações depreciativas à outra pessoa, ofendendo a sua dignidade ou decoro, praticamos o crime deinjúria; se registramos informação não verdadeira ou omitirmos informação em documento, desde que “com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante”, cometemos o crime de falsidade ideológica (declarar, não sendo verdade, que fulano reside no seu endereço, por exemplo); se fizermos afirmação falsa ou negamos a verdade como testemunha, em processo judicial, ou administrativo, ou mesmo em Inquérito Policial, incorremos no crime de falso testemunho; caso o funcionário público (também o equiparado) se apropria de qualquer valor ou bem de que tem a posse em razão do cargo, em proveito próprio ou alheio, está ele a praticar o crime de peculato. E aqui vale um destaque especial: dificilmente existe servidor público no Brasil que não tenha se enquadrado (ao menos formalmente) nesta infração penal. Basta verificar se ele (o servidor) procede a impressões para fins particulares (seja para estudo, seja para questões outras). Por óbvio que o infrator estatal irá dizer: “mas o prejuízo aqui é irrelevante!”. Sim, concordamos. Porém, muitos desses servidores que frequentemente se valem desse expediente para a solução de questões particulares, são implacavelmente intolerantes com os autores de furtos de bagatela, não hesitando e atribuir-lhes a pecha de “bandidos”.
Além disso, há delitos comumente praticados por aqueles (e, especialmente, por eles) que se dizem “homens bons” e que negam peremptoriamente a carapuça de “criminoso” por sobre suas cabeças: crimes ambientais, crimes de sonegação fiscal, crimes de drogas (usar medicamento controlado pela ANVISA – Portaria 344/98) sem receita (por exemplo, para dormir), crimes de abuso de autoridade, tráfico de influência, exploração de prestígio, descaminho, ameaça, corrupção (ativa e passiva), falsidade documental e outras práticas bastante corriqueiras que se extrai do cotidiano dos auto-intitulados tolerantes “cidadãos de bem”.
O fato é que TODOS NÓS praticamos comportamentos como esses (tipificados penalmente) sem que tenhamos conta de que a impunidade que criticamos em alto tom e aos quatro cantos do Brasil aqui nos favorece. E então, somos criminosos? A resposta é: depende. Se o conceito desta categoria é diagnosticado pela prática da infração penal, a resposta fatalmente será SIM.
Vejam que a gama de tipos penais é tão vasta que se todos os furtos, falsidades, abortos, receptações, corrupções, lesões corporais, ameaças, ou seja, se todas as práticas de infrações penais fossem concretamente criminalizadas, praticamente não haveria habitante que não fosse, por diversas vezes, criminalizado.
Então, caso o leitor, fã da repressão e aprisionamento acredite no cárcere como instrumento de transformação do ser humano (para melhor, é claro) tenha alguma vez praticado algum dos comportamentos registrados acima ou ainda, qualquer outro que se encaixe formalmente num tipo penal, perguntamos: quanto tempo atrás das grades seria necessário para você se tornar um verdadeiro “homem de bem”? Ou, você é um delinquente que não merece repressão e que se vale da impunidade que tanto critica?
Pois é. Para acabar com a criminalidade (por completo), como prega insistentemente o “homem de bem”, ao que parece, seria necessário exterminar com uma das fontes de criminalização: ou com o objeto criminalizador (Direito Penal) ou com o sujeito criminalizado (ser humano). Simples assim.
Vejam, então, que o discurso ancorado no tripé endurecimento das leis, repressão penal e encarceramento desfigura a realidade, sobretudo, porque não serve nem mesmo para quem o sustenta. Conforme anotam Hassemer e Muñoz Conde, não existe nenhuma sociedade sem crimes. Os crimes estão intimamente ligados ao processo de socialização dos indivíduos, de forma que o conflito tem de desempenhar um papel e até mesmo uma missão na manutenção e evolução da sociedade. Este, aliás, é o lugar onde a sociologia funcionalista desenvolve sua tese sobre a normalidade do crime: conceber a sociedade como um sistema de pessoas inter-relacionadas. E o que isso quer dizer? Especialmente, que “não há nenhum fenômeno que inevitavelmente mostre todos os sintomas de crime”. Estanquemos essa ingenuidade (ou má-fé, a depender de quem discursa), pois o desvio tem origem na distribuição de papéis dentro de qualquer sociedade.
Agora, se você, homem de bem, diz-se ainda “cristão” e “não delinquente”, procure utilizar dos (SEUS) conceitos de “ser cristão” e “ser criminoso” para aquele contra quem você brada por repressão e cárcere. O que não é razoável é o incremento de dois discursos: um, que atende aos seus interesses mais próximos; outro, para quem se pretende manter distância. Neste caso, além de delinquente, você comportaria um grau elevadíssimo de hipocrisia e, então, tomando-se por base o logicismo de Russell, conveniaria atribuir-te uma tríplice adjetivação nos seguintes termos: “não cristão”, “delinquente” e “hipócrita”.
Para finalizar, e em homenagem ao “homem-de-bem”, uma reflexão brechtiana intitulada “Perguntas a um bom homem” serve aqui:
Avança: ouvimos dizer que és um homem bom.
Não te deixas comprar, mas o raio que incendeia a casa, também não pode ser comprado.
Manténs a tua palavra. Mas que palavra disseste?
És honesto, dás a tua opinião. Mas que opinião?
És corajoso. Mas contra quem?
És sábio. Mas para quem?
Não tens em conta os teus interesses pessoais. Que interesses consideras, então?
És um bom amigo. Mas serás também um bom amigo de gente boa?
Agora, escuta:
Sabemos que és nosso inimigo. Por isso, vamos encostar-te ao paredão.
Mas tendo em conta os teus méritos e boas qualidades, vamos encostar-te a um bom paredão e matar-te com uma boa bala de uma boa espingarda e enterrar-se com uma boa pá na boa terra.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

RUSSELL, Bertrand. Porque não sou cristão: e outros ensaios sobre religião e assuntos correlatos. Tradução de Brenno Silveira. Livraria Exposição do livro, 1972, p. 14-15.
CHAVES JUNIOR, Airto; OLDONI, Fabiano. Para que(m) serve o Direito penal: uma análise criminológica da seletividade dos segmentos de controle social. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014, p. 174-175.
ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal. Tradução de Vânia Romano Pedrosa e Amir Lopes da Conceição. 5. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2001, p. 26.  
HASSEMER, Winfried; MUÑOZ CONDE, Francisco. Introducción a la Criminologia y al Derecho Penal. Valencia: Tirant lo Blanch, 1989, p. 38-39.
Bertolt Brecht, citado por Slavoj Zizek, inViolência: seis reflexões laterais. Tradução de Miguel Serras Pereira. São Paulo: Boitempo, 2014, p. 41-43.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

VIDRAÇAS EMBAÇADAS E A CRISE DE PERCEPÇÃO


A mãe, ao olhar a agenda de seu filho verifica uma anotação da professora, informando que a criança não fez a atividade solicitada como tarefa escolar. O que deve fazer? Conversar com a criança, certamente. Ir à escola falar com a professora. Talvez, dependendo da situação. Dirigir-se a uma delegacia de polícia para fazer um boletim de ocorrência pelo fato da professora ter feito a anotação na agenda. Não? Sim?
Em uma escola da rede municipal de Caxias do Sul/RS, uma professora solicitou aos alunos que fizessem um trabalho escolar com base em um livro. Uma das alunas não fez a atividade alegando não ter material de pesquisa, o que motivou a professora a registrar na agenda escolar da aluna uma advertência porque ela não entregou o trabalho.
A mãe da aluna foi até a escola exigir satisfações e na sequência foi até a delegacia de polícia registrar um boletim de ocorrência  (saiba mais).
Achou estranho? Pois não deveria.
Atitude como esta não deveria causar estranheza, afinal o apelo ao Direito Penal como instrumento solucionador das questões sociais é intenso. Mesmo que o ato da mãe seja equivocado, precisamos compreender que sua atitude é condizente com o que a sociedade, em geral, pensa: o Direito Penal (e todas as suas agências) é o instrumento mais adequado para pacificar a sociedade.
Vende-se esta bandeira na mídia e nas falácias cotidianas. Compra-se este discurso facilmente, sem reflexão, pois não se reflete sobre o que não se conhece.
A culpa não é da mãe, mas de uma sociedade que instiga a população a pensar e agir desta forma. Basta ver a bandeira punitivista tremulando nas campanhas eleitorais. O bem e o mal, separados por um clichê. Os bons somos nós e os maus são eles.
A percepção do real está em crise. Quando não se conhece o objeto, parte-se para uma concepção construída a partir de informações externas. No caso do Direito Penal, de desinformações.
Uma crescente onda de violência urbana é reprisada diariamente nas mídias, conseguindo incutir uma sensação de insegurança e medo. Bauman e Glassner trataram adequadamente o tema.
A salvação para o medo é o encarceramento. O aparato policial é chamado a intervir no cotidiano.
Uma percepção correta sobre como funciona o sistema é ignorada pela maioria da população, que vive no senso comum folclórico, muitas vezes induzidas pelo senso comum teórico e a busca pelo aparato policial para denunciar uma repreensão educativa por parte do professor começa a fazer sentido para uma população que adere ao falso discurso de que as agências de controle penal são a última salvaguarda da moralidade pública.
Como bem alertou Zizek (in violência), enquanto as cenas de violência sequestram nossa atenção todos os dias, não percebemos que a verdadeira violência exercida pelos grandes mantenedores do neoliberalismo mata muito mais e de forma muito mais rápida que os crimes urbanos.
As vidraças estão embaçadas, impedindo a correta visão dos fatos. Precisamos urgentemente torná-las límpidas e transparentes. O embaçamento pode ser interno, acessível somente ao sujeito, cabendo a ele esforçar-se para desfazê-lo, buscando informação e refletindo criticamente sobre o que lhe é oferecido como solução mágica.
Em nosso livro Para que(m) serve o Direito Penal? procuramos demonstrar que o sistema de controle social (formal e informal) age com a premissa da seletividade e por este motivo interessa a poucos, em detrimento da maioria. Causa muita violência, não a previne.
Não temos outro caminho, senão por meio da linguagem tentar mudar a atual crise da percepção sobre medo, violência e punição.
Se não quisermos mais ver atitudes como a desta mãe, precisamos mudar o discurso e fazer coro desta mudança. Precisamos abrir os olhos e enxergar um pouco além daquilo que nos mostram (ou nos querem mostrar), além do discurso vazio, além daquilo que noticiam os meios de comunicação, e muito além do enganoso e hipócrita discurso de que o Direito Penal pacifica as relações sociais.
(Artigo publicado por Airto Chaves Jr e Fabiano Oldoni no justificando.com.br, em 01/out/2014 (link)

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

O SILÊNCIO DOS JUÍZES


O recebimento da denúncia, por parte do juiz, é decisão que dá origem ao processo crime, atribuindo ao acusado carga acusatória expressiva e relevante, capaz de causar-lhe uma série de inconvenientes.

Ora, se é decisão (quiçá a mais importante até a sentença), imagina-se deva ser fundamentada, apresentando o juiz os elementos indiciários de autoria e materialidade, já visualizados pelo Ministério Público na elaboração da inicial. Apenas cumpriria o artigo 93, inciso IX da CF.

Mas o que vivenciamos, salvo raríssimas exceções vindas, na sua maioria, da Justiça Federal, são decisões recebendo denúncia sem fundamentação alguma. Decisões padrões como “não visualizadas as hipóteses de rejeição, recebo a denúncia. Cite-se o acusado para apresentar defesa no prazo de 10 dias”, são o cartão de visita de nossos juízes.

O silêncio do juiz é perturbador.

A defesa sequer ousa questionar tal ato (ou ausência dele), posto que a jurisprudência é “mansa” e “pacífica” neste sentido. Uma amostra é o julgado do STF, dando ênfase ao entendimento “consolidado” da corte:
HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DECORRENTE DA AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DE RECEBIMENTO DA DENÚNCIA: IMPROCEDÊNCIA. PRECEDENTES. ORDEM DENEGADA.
1. É firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal no sentido de que o ato judicial que formaliza o recebimento da denúncia oferecida pelo Ministério Público não se qualifica nem se equipara, para os fins a que se refere o art. 93, inciso IX, da Constituição, a ato de caráter decisório. O juízo positivo de admissibilidade da acusação penal, ainda que desejável e conveniente a sua motivação, não reclama, contudo, fundamentação. Precedentes[1].

O Processo Penal democrático, apresentado ao Brasil na Constituição de 1988, não admite atos judiciais que causem repercussão à parte sem fundamentação.

Numa correlação lógica, se o juiz é obrigado a motivar a decisão que rejeitar a denúncia, porque a decisão que recebe a denúncia não precisa ser motivada?

Aceitar esta premissa é considerar o processo penal como um instrumento de acusação, de interesse da sociedade, onde a rejeição da denúncia obriga ao juiz demonstrar ao acusador e à sociedade os motivos de seu convencimento, já que tomou uma decisão que contraria a finalidade do processo penal.

Entendimento superado.

Processo Penal é instrumento de garantia dos direitos do cidadão (qualquer cidadão) contra poder/dever punitivo do Estado. É um limitador da fúria punitiva estatal.

Neste sentido, o processo penal interessa muito mais ao acusado do que ao acusador ou sociedade em geral. É, sem dúvida, um instrumento destinado a garantir direitos.

Assim, toda a limitação de direitos que o Estado praticar (o recebimento da denúncia limita direitos, na medida em que autoriza a prática de vários atos em desfavor do acusado no curso do processo - busca e apreensão, prisão etc.), exige ato fundamentado, onde o juiz deve “prestar contas”, ao regime democrático que o guia, da decisão que afasta garantias fundamentais.

O Ministro Nilson Naves, do STJ, sensível a esta problemática, proferiu a seguinte decisão:

1. Foi em 1973 que se instalou, no Supremo Tribunal, a propósito da natureza do ato judicial de recebimento da denúncia, inteligente e mágica discussão entre Bilac, Alckmin e Xavier, e lá prevaleceu o entendimento de que tal ato, se possui carga decisória, não é, entretanto, "ato decisório mencionado no art. 567". 2. Então, decerto que o recebimento da denúncia não é simples despacho de expediente, ao contrário, pois, de Toledo, no Superior Tribunal, em 1995, no RHC-4.240. De igual sorte, Medina e Quaglia, nos anos 2004 e 2005, nos RHCs 13.545 e 17.974. 3. É, então, correto, hoje e agora, interpretando a regra do art. 516 do Cód. de Pr. Penal, admitir que, se se exige a rejeição da denúncia (ato negativo) em despacho fundamentado, também a decisão que a recebe (ato positivo) há de ser, sempre e sempre, devidamente fundamentada. 4. Pensar de maneira outra seria colocar à frente da liberdade a pretensão punitiva, quando, é sabido, o que se privilegia é a liberdade. Nunca é demais lembrar: (I) "havendo normas de opostas inspirações ideológicas – antinomia de princípio –, a solução do conflito (aparente) há de privilegiar a liberdade, porque a liberdade anda à frente dos outros bens da vida, salvo à frente da própria vida" ; e (II) "impõe-se, isto sim, se extraiam consequências de um bom, se não excelente, princípio/norma, que cumpre ser preservado para o bem do Estado democrático de direito" . 5. Ordem de habeas corpus concedida para se anular toda a ação penal desde, e inclusive, o recebimento da denúncia – a que se procedeu sem fundamentação.[2]

Não podemos nos esconder atrás das posições consolidadas da jurisprudência, quando o assunto é limitação de garantias fundamentais.

Talvez com a necessidade de fundamentar o recebimento da denúncia, os juízes sejam obrigados a ler (com os próprios olhos) os elementos indiciários que embasam a acusação, quando, então, perceberão que muitos processos sequer deveriam ser iniciados.

Evitarão, assim, o processamento de condutas sem o mínimo de indícios de autoria e materialidade.

A fundamentação do recebimento da denúncia exigiria do juiz um pouco mais de tempo e atenção, que resultará numa diminuição de processos natimortos.

Enquanto isso, prevalece o silêncio dos juízes no recebimento da denúncia.



[1] HC 101971 SP - Min. Cármen Lúcia.
[2] HC 76319 SC 2007/0022098-8 – SC.

quarta-feira, 30 de julho de 2014

Apontamentos sobre o crime de embriaguez ao volante

            O artigo 306 do CTB, alterado pela Lei 11.705/2008, trazia a seguinte redação:
Art. 306.  Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de  álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência.

            Para configurar o crime, bastava o agente dirigir com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 decigramas.
            Contudo, em 2012 a Lei 12.760 alterou referido artigo:
Art. 306.  Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência.

            O atual tipo penal exige que o motorista esteja com a capacidade psicomotora alterada em razão da ingestão de bebida alcoólica, o que afasta a simples embriaguez (concentração de 6 decigramas de álcool por litro de sangue) como caracterizadora de crime.
            Desta forma, o atual tipo penal é mais benéfico que o anterior, uma vez que cria uma exigência maior ao Estado para punir, qual seja a comprovação da alteração da capacidade psicomotora:
Apelação. Embriaguez ao volante. Alteração da capacidade psicomotora. Lei n. 12.760/12. Retroatividade. Com a alteração do artigo 306 da Lei 9503/97 pela Lei 12.760/12, foi inserida no tipo penal uma nova elementar normativa: a alteração da capacidade psicomotora. […] Assim, a adequação típica da conduta, agora, depende não apenas da constatação da embriaguez (seis dg de álcool por litro de sangue), mas, também, da comprovação da alteração da  capacidade psicomotora pelos meios de prova  admitidos em direito. Aplicação retroativa da Lei 12.760/12 ao caso concreto, pois mais benéfica ao réu. Ausência de provas da alteração da capacidade psicomotora, notadamente em razão do depoimento do policial responsável pela abordagem, que afirmou que o réu conduzia a motocicleta normalmente. Absolvição decretada (TJRS, 3ª c. Crim. Rel. Nereu Giacomolli, j. 09/05/2013).

Hoje, não basta mais a concentração de 6 decigramas de álcool por litro de sangue. Deve ficar evidenciada a alteração da capacidade psicomotora do motorista, proveniente da ingestão de bebida alcoólica ou outra substância psicoativa que determine dependência.
            Não há dúvidas, portanto, que deve ser aplicado, de forma retroativa, aos fatos ocorridos na vigência do artigo 306 (alterado pela Lei 11.705/2008), o tipo penal do artigo 306 (com alteração dada pela Lei 12.760/12), conforme disciplina o artigo 2º, parágrafo único do Código Penal.
            Como dito, a nova redação do artigo 306 do CTB exige a condução de veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência.
            Vale ressaltar que o CTB e a Resolução 432 do Contran exigem a presença de vários fatores para a redução da capacidade psicomotora do motorista, não bastando o simples exame de bafômetro ou o envolvimento em eventual acidente, ou o simples arrastar pneus.
            O agente pode estar dirigindo com concentração de álcool acima de 6 decigramas por litro de sangue e não estar com sua capacidade alterada. O agente pode arrancar “cantando pneus” e não estar com sua capacidade alterada. O agente pode executar “uma arrancada brusca” e não estar com sua capacidade alterada.
            O parágrafo primeiro do atual artigo 306 do CTB, diz que:
§ 1o  As condutas previstas no caput serão constatadas por: 

I - concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar; ou 

II - sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora.  
                                  
            A primeira vista, pode-se pensar que basta a concentração superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue que está comprovada a alteração da capacidade. Logicamente que não é este o raciocínio.
            Se bastasse a simples concentração superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue, não teria o legislador alterado o tipo penal. É que a redação anterior trazia no caput do artigo o crime com a simples concentração superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue.
            Com a nova redação, trocou-se a expressão “estando com concentração de  álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas” por com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool”, o que é muito diferente.
            Quando o parágrafo primeiro diz que a conduta prevista no caput pode ser constatada por concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue, está se referindo à embriaguez, ou seja, a prova da embriaguez se faz desta forma, não estando descartada a necessidade de comprovação da alteração da capacidade.
            O tipo penal exige que a capacidade psicomotora seja alterada em razão da influência de álcool e o teste de alcoolemia comprova apenas estar o agente sob a influência de álcool. Deve, ainda, restar comprovada a alteração da capacidade, que é elementar do tipo penal.
            Em suma, o teste de alcoolemia comprova a embriaguez, mas não a redução da capacidade. Esta não pode ser presumida pelo simples fato do teste de alcoolemia dar positivo.
            Tanto que o parágrafo único, inciso II, do artigo 306 do CTB, diz que deve haver “sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora”.
E a resolução do Contran, que estabelece tais critérios, é a Resolução 432 de 23 de janeiro de 2013, que em seu artigo 5º assim explica:
Art. 5º Os sinais de alteração da capacidade psicomotora poderão ser verificados por:
I – exame clínico com laudo conclusivo e firmado por médico perito; ou
II – constatação, pelo agente da Autoridade de Trânsito, dos sinais de alteração da capacidade psicomotora nos termos do Anexo II.

Já o Anexo II, referido, traz as seguintes causas que indicam a redução da capacidade psicomotora:
ANEXO II
SINAIS DE ALTERAÇÃO DA CAPACIDADE PSICOMOTORA
Informações mínimas que deverão constar no termo mencionado no artigo 6º desta Resolução, para constatação dos sinais de alteração da capacidade psicomotora pelo agente da Autoridade de Trânsito:
(...)
VI. Sinais observados pelo agente fiscalizador:
a. Quanto à aparência, se o condutor apresenta:
i. Sonolência;
ii. Olhos vermelhos; iii. Vômito;
iv. Soluços;
v. Desordem nas vestes;
vi. Odor de álcool no hálito.
b. Quanto à atitude, se o condutor apresenta:
i. Agressividade;
ii. Arrogância;
iii. Exaltação;
iv. Ironia;
v. Falante;
vi. Dispersão.
c. Quanto à orientação, se o condutor:
i. sabe onde está;
ii. sabe a data e a hora.
d. Quanto à memória, se o condutor:
i. sabe seu endereço;
ii. lembra dos atos cometidos;
e. Quanto à capacidade motora e verbal, se o condutor apresenta:
i. Dificuldade no equilíbrio;
ii. Fala alterada;
O § 1º alerta que não basta apenas um sinal, mas um conjunto de sinais para que se possa verificar a alteração da capacidade psicomotora:

§ 1º Para confirmação da alteração da capacidade psicomotora pelo agente da Autoridade de Trânsito, deverá ser considerado não somente um sinal, mas um conjunto de sinais que comprovem a situação do condutor.

            Já o § 2º assevera que os sinais de alteração da capacidade psicomotora de que trata o inciso II deverão ser descritos no auto de infração ou em termo específico que contenha as informações mínimas indicadas no Anexo II, o qual deverá acompanhar o auto de infração.
            Para terminar cita-se decisão do TJRS:              
         

[…] O réu é confesso. E a confissão é corroborada pelos depoimentos dos PMs que atenderam a ocorrência e pelo resultado do teste de etilômetro, que indicou concentração de álcool muito superior ao limite legal: o triplo. A Lei nº 12.760/2012, alterou o disposto no artigo 306 do CTB. O tipo já não se realiza pelo simples fato de o condutor estar com uma determinada concentração de álcool no sangue e sim, por ele ter a capacidade psicomotora alterada em razão da influência do álcool, seja ela qual for. A concentração que antes constituía elementar do tipo passou a ser apenas um meio de prova dessa alteração. O resultado do exame constitui presunção relativa, em um sentido ou noutro. Houve descontinuidade típica, mas não abolitio criminis. Para os processos que ainda se encontrem em andamento, mormente as condenações impostas antes da vigência da alteração pendentes de recurso, como no caso dos autos, deve-se verificar se há evidência da alteração da capacidade psicomotora, sem o que não pode ser mantida a condenação. Caso em que há evidência nesse sentido. Condenação mantida. Penas aplicadas com parcimônia. Sentença confirmada. Recurso desprovido. (TJRS, Apelação Crime nº 70052903184, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Batista Marques Tovo, julgado em 27/06/2013).