terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Novo livro com lançamento em janeiro de 2013


Sumário:

Capítulo 1 – A lógica (?) do direito de punir
Introdução
1. A lógica a partir do sujeito
2. A lógica teórica
3. Acesso à Justiça e o Direito Penal
Capítulo 2 – Direito Real
Introdução
1. Direitos reais e obrigações
2. Princípio da propriedade
2.1. Trilogia obrigacional da propriedade privada
Capítulo 3 – Posse
1. Contextualização
1.1. Teorias possessórias
1.2. Natureza jurídica da posse
1.3. Efeitos da posse
2. Prescrição
Capítulo 4 – Prescrição aquisitiva e propriedade ilícita
1. Prescrição aquisitiva
1.1. Causas que suspendem e interrompem a prescrição
2. Espécies de usucapião
3. Prescrição aquisitiva da propriedade ilícita
3.1. Prescrição aquisitiva em favor do autor do delito
3.2. Prescrição aquisitiva em favor do terceiro de boa-fé
3.3. Os efeitos da sentença penal condenatória e a aquisição
por meios ilícitos
3.4. A Busca e Apreensão e a Aquisição por Meios Ilícitos
4. O não exercício do acesso à justiça e a usucapião

sábado, 15 de dezembro de 2012

É hora de parar!

Este foi um ano muito produtivo, cujos frutos serão colhidos em 2013, com a publicação de dois livros.

Agora é hora de parar, viver outras coisas, reviver a família na sua maior extensão!

Até 2013.

Muita paz a todos.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Conhecimento e afetividade na contramão, até quando?




Fonte: politicaspublicasbahia.org.br

Todos sabemos que o ser humano evolui intelectualmente muito mais rápido que moral e eticamente. Basta observarmos o avanço tecnológico e científico atual, as promessas evolucionistas e compararmos com a crescente onda de violência que cerca a humanidade, as guerras em nome de "Deus", o aumento do consumo de drogas, a banalização da sexualidade etc.
Em muitas situações necessitamos não de ciência ou intelecto, mas de humanização, afetividade, solidariedade e fraternidade. Esta última, pela importância que tem, está prevista no artigo I da Declaração Universal dos Direitos Humanos: "Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão  e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade".
Infelizmente vizualisamos que muitos profissionais, com avançada técnica e um intelecto diferenciado, não conseguem ter um mínimo de tato no trato com o outro.
Em todas as áreas encontramos estes profissionais, não sendo diferente na jurídica. É muito comum nos depararmos com "operadores jurídicos" que agem como operadores de máquinas (a máquina do direito, da lei) e esquecem que o fim a que se destina toda a produção legal é o ser humano.
Seja o autor ou o demandado, o acusado ou a vítima, as testemunhas ou os profisisonais que atuem no processo, o que se espera é que a técnica não se sobreponha ao ser humano. É possível aplicar a lei, com toda a sua dureza, respeitando a dignidade das pessoas que integram o processo.
Alexandre Morais da Rosa, no seu livro Decisão Penal: a bricolage de significantes, já afirmava que a sentença penal é produzida seguindo-se uma receita, da mesma forma que se faz um bolo qualquer. Basta o passo a passo dos "manuais" que a sentença sairá dos fornos prontinha, sem muitas vezes e na maioria das vezes, ter o juiz analizado o caso sub judice de forma concreta e individualizada.
Há tribunais de justiça que disponibilizam aos juízes modelos de sentenças. Triste! Nos tornamos meros objetos enquadráveis em modelos.
Isso demonstra a falta de humanização nas relações jurídicas, onde o que importa é muitas vezes as metas de "produção" (onde o produto sãos as partes do processo) a serem alcançadas; quanto mais processo for julgado, mais bem visto pelo "Tribunal-Pai" (expressão de Alexandre Morais da Rosa) será o julgador.
A seguir me utilizo do texto produzido pela Psicóloga Mayara Cristina Fonseca, onde ela demonstra, com clareza, a ausência de humanização nas relações profissionais:
"Pensando em humanização OU desumanização
Interessante termos uma palavra que categorize algo que, a princípio, seria “natural” ou seja, o ser humano, humanizado.
Que confusão é essa?  
Precisamos definir o que é humano para o próprio humano? Como podemos pensar em um ser humano desumanizado? Parece-me que esta situação se configura nas relações sociais, nas relações diárias, rotineiras, de trabalho, afetivas, enfim, nas relações entre humano e humano.
         E com isso, mais precisamente podemos pensar nas relações estabelecidas em nossas profissões, seja ela qual for, como agimos (e sentimos) com o Outro a nossa frente.
         O profissionalismo requer dedicação e conhecimento técnico, não há dúvidas quanto a isso, mas a serviço de que a técnica está? Então, porque a técnica ficou tão refinada, tão maravilhosa, tão importante, enquanto temos alguém operando a técnica em “benefício” de Outro, sem ao menos olhar, estar de fato diante deste Outro.
         Muitas vezes parece que, para se adquirir conhecimento técnico, “um saber”, é preciso se distanciar, mostrar-se (in)diferente, colocar-se em outro lugar. Observemos a nossa volta, quantos “Doutores” estão trabalhando e se relacionando apenas com os papéis, com um corpo doente, penalizado, com os números a sua frente.
Valdemar A. Angerami Camon, contribui significativamente para esta reflexão:
Reconhecer o outro como semelhante é uma das mais difíceis condições de nossa própria humanidade. Falamos de maneira fácil nesse reconhecimento, mas nossa cotidianidade está cheia de exemplos a mostrar o quanto estamos distantes dessa afirmação (Psicossomática e suas interfaces: o processo silencioso do adoecimento, 2012, Editora Cengage Learning, p. 6).
É fato tal afirmação. Pois quando nos deparamos (ou ouvimos alguém comentar) que aquele “Doutor” é tão bom, pois ele “conversa”, “cumprimenta”, “trata bem”. Nossa! O que deveria ser natural em uma relação profissional, pessoas se cumprimentarem, conversarem sobre suas questões, com respeito mútuo, acaba sendo a exceção, ou talvez, para ser menos pessimista, a minoria.
Pensemos na sabedoria infantil, que se preocupa em estar com o outro, com o afeto. Com a intelectualização vamos perdendo esta sabedoria emocional de uma forma arrebatadora. Será que não dá para conciliá-la com os aprendizados que vamos adquirindo? Em que momento aprendemos que precisamos separar e categorizar?
Conhecimento e afetividade na contramão. Será que não dá para construirmos uma estrada de mão dupla aí? O caminho é mais seguro e lado a lado. E a construção é diária, nos detalhes, porque a técnica sozinha não é nada, é preciso um coração por traz da máquina, dos livros, dos papéis. Lembremo-nos que levamos conosco a cada segundo a construção de nossas escolhas, e a vida faz um convite todos os dias para que tenhamos consciência do quanto somos capazes e responsáveis pela realidade que se apresenta.
Ressalto Camon que escreve sobre o profissional da saúde, mas que cabe a todos os profissionais:
Ao negar a dor do outro, o profissional da saúde não apenas nega a dor de seu semelhante, como também a sua própria condição humana, pois dentre as virtudes humanas, uma das que mais nos diferencia de outras espécies é justamente aquela que nos capacita a compreender e a apreender a dor do outro naqueles momentos em que a fragilidade humana deveria evocar outra virtude humana: a fraternidade (op, cit p. 26).
Sigamos nossa construção pessoal, observando como estamos vivenciando nossa prática profissional, ou seja, pessoal."

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

BREVES APONTAMENTOS SOBRE MORAL, ÉTICA E VIRTUDE


Características da Moral e da Ética

A Moral e a Ética invariavelmente são confundidas e até mesmo vistas como sinônimos.

Segundo Osvaldo Ferreira de Melo, Moral é: “1) Conjunto de princípios e de padrões de conduta de um indivíduo, de um grupo ou de uma coletividade. 2. Conjunto de regras decorrentes dos costumes e da recepção das virtudes valoradas pelo grupo social. Impropriamente a palavra é usada como sinônimo de Ética (V.)” (Dicionário de Política Jurídica. p. 28).

Pode-se afirmar que a Moral é a construção espiritual do ser humano, não sendo possível ser codificada, constituindo-se em patrimônio pessoal, estando ligada ao agir individual em correspondência com os valores de seu universo. Também, em um contexto mais amplo, a Moral corresponde aos costumes, ao modo de um povo culturalmente pensar. Tem por característica principal a interiorização, já que não precisa ser exteriorizada.

Acerca do conhecimento da moral, Hommerding (HOMMERDING, Adalberto Narciso. Valores, Processo e Sentença. p. 36) referencia que para Max Scheler os valores são conhecidos apenas através do sentimento. Assim, o órgão para a apreensão dos valores não seria o entendimento, mas o sentimento, pois é no sentir emocional que se tem a vivência direta dos valores.

         Já para Honecker e Lotz, os valores são apreendidos pelo intelecto, conforme cita Johanner Hessen uma passagem do primeiro: “podemos dizer que todo o valorar é, na essência, um facto intelectual no qual o sentimento apenas intervém como um factor concomitante ou que apenas lhe serve de fundamento” (Apud HOMMERDING, Adalberto Narciso. Valores, Processo e Sentença. p. 36).

         Hessen, por sua vez, critica o exagerado intelectualismo, afirmando que se assim fosse, os mais altos intelectos deveriam ser portadores dos maiores valores, tais como a ética e a justiça, o que se sabe não acontece. Segundo este autor, os valores não se fundam num conhecimento racional-discurssivo, mas são conhecidos a partir de numa vivência direta.

De outro lado e com uma posição central, David Hume (Uma investigação sobre os princípios da Moral. p. 174) afirma que a Moral funda-se tanto na razão quanto no sentimento, na medida em que é através da razão que se conhece as várias tendências das ações (se nocivas e úteis), mas cabe ao sentimento estabelecer a preferência entre uma e outra ação, no caso, as úteis em detrimento das inúteis.

Por fim, explica Calera (Apud DIAS, Maria da Graça dos Santos. A justiça e o imaginário social, p. 45-46) que “a liberdade   de   aceitação,   de adesão, constitui a característica fundante do ato Moral”.

A Ética, por sua vez, “é a disciplina que procura responder as seguintes questões: como e porque julgamos que uma ação é Moralmente errada ou correta? E que critérios deve orientar esse julgamento?” (BORGES, Maria de Lourdes. Ética. p. 7).

Tem por característica ser atributiva, exteriorizada e por função estetizar as relações humanas e estabelecer limites ao agir.

Vê-se, portanto, que a Ética tem como função principal tornar as relações humanas mais belas, sendo, em última análise, a Moral em ação. Assim, a Ética pressupõe um agir individual buscando o bem, direcionado ao outro. 

A Ética, por não ter a característica de exigibilidade, necessita da força imperativa do Direito. É a Ética quem vai, ou pelo menos deveria, conduzir o Direito.

Adão Longo (op. cit. p. 73) sintetiza:

A Ética deverá estar presente no homem: em todos os seus atos, gestos, ou pensamentos, ou faculdades, ou interpretações ou decisões. O homem é, embrionariamente, um ser ético: na sua razão pura, na sua vontade consequente, na origem de sua ação e na consecução de seus objetivos e finalidades (...). Porque o homem é destinado, por natureza, à Ética, num compromisso tácito com a vida que lhe é dada viver, condicionando o ar que respira ao direito de posse de sua dignidade. É esta dignidade que irá fundamentar a justiça das normas jurídicas, na sua elaboração ou julgamento, e que dará consistência ao corpo necessário das leis e dos códigos.

E prossegue: “Eis por que, encarados isoladamente, a Ética e o Direito não existem verdadeiramente: são, respectivamente, alma e corpo de uma vida humana” (p. 74). 

Foi visto acima que a Ética tem como função estetizar as relações humanas, bem como estabelecer limites ao agir. Sobre a primeira função, basta afirmar que ao tornar as relações humanas mais belas a Ética sempre estará relacionada com o bem, com o agir altruísta, não sendo ético o comportamento que não tenha este objetivo.

Já no tocante à limitação do agir, tem grande importância para as relações humanas e principalmente para o Direito, que deve estar sempre intimamente ligado com a Ética e limitado por esta.

A virtude
                  
Platão simboliza a virtude como unidade, semelhante a um bloco monolítico, composto por três faces: justiça, sensatez e piedade[1]. Este filósofo trabalha a virtude em dois aspectos. A intelectual e a de ofício, ou de habilidades técnicas.

A virtude intelectual é percebida por meio de duas modalidades: moral e política. Para Platão, a virtude moral equivale ao bem, no sentido da moral, em sua dimensão mais elevada. A virtude política, por sua vez, define-se pela vontade da lei e ambas, virtude moral e política, têm por objetivo alcançar o progresso espiritual do homem e são construídas sob o paradigma do bem e caminham em direção à luz, ao conhecimento e à verdade[2].

Em suma, a virtude intelectual deriva do estudo do conhecimento humano gerado a partir de pesquisas-reflexões sobre determinado ramo de saber.

A virtude moral compreende a humildade, a prudência, a justiça, a coragem, a sinceridade, o amor, nasce individualmente do homem e pode ser considerada universal, pois inerente ao ser humano.

Para Aristóteles, a virtude moral nasce do hábito, do costume dos povos. Constituem formas concretas da virtude moral a coragem, a prudência, a humildade, a magnanimidade e a temperança[3]. Já a virtude intelectual, que denomina de excelência, apóia-se na experiência e no tempo, nasce e se aperfeiçoa com a instrução e produz ideias universais. Portanto, é algo que pode ser aprendido através do conhecimento teórico e empírico, uma combinação entre o conhecimento teórico e a experiência[4].

A virtude de ofício, para este filósofo, é resultante de uma profissão e não é submetida ao um conhecimento intelectual. É limitada ao trabalho dedicado, não é universal, mas limitada ao particular. Pode-se entender por esta virtude o ofício desenvolvido pelo artesão, pelo pintor, pelo marceneiro, alfaiate etc. cujas capacidades lhes são inerentes, inatas muitas vezes, constituindo-se, assim, uma virtude pessoal.

Em suma, pode-se classificar a virtude, conforme leitura de Platão e Aristóteles, em Virtude Moral, Virtude Intelectual e Virtude de Ofício.

Moacyr Motta da Silva[5], explicando o pensamento de Max Scheler, reprisa que para este autor a virtude indica a ideia do bem, como consciência viva, inerente ao ser humano, individual e pessoal. Virtude, por este entendimento, constitui particularidade do ser humano.

E prossegue:

Scheler inicia a ideia de virtude como potência do ser humano voltada para o bem. O termo potência designa estado do ser, do ângulo da moral. A palavra bem, na linguagem da virtude em Scheler denota aquilo que pode ser objeto de satisfação e de aprovação. O conceito de virtude independe do grau de capacidade, de habilidade. A virtude, como potência íntima do ser, concretiza-se em atos de amor, de boa vontade, de compreensão e de nobreza interna[6].

Para Adão Longo a virtude é abstrata, abstraída das ações, das qualidades ou dos estados que vivem na realidade do mundo e apesar de ser uma potência individual do ser, necessita das relações entre os seres humanos para vivificar: 

A coragem, a honradez, a temperança, a amizade, a caridade, a franqueza, a sinceridade, o amor, a piedade, e as demais virtudes, no são somente possibilidades de cada ser humano, encaradas simploriamente como aspirações próprias, individualizadas, mas devem ser percebidas, acima de tudo, como essências das relações de vida, que brotam dos indivíduos, mas que só germinam e se plantam com suas raízes firmes quando arborescem por inteiro nas relações humanas, que se fazem relações públicas e morais, para frutificarem no Direito[7].

Pode-se compreender por virtude a ação do homem no sentido do bem, voltado àquilo que é bom no outrem. Esta ação deve ser consciente e com liberdade, sem influenciação do grupo a que pertence.

Contudo, a virtude estudada a partir da Idade Média não corresponde à virtude atual.

Na Idade Média, a virtude era vista como uma essência das mais elevadas, a primeira qualidade da pessoa. Apontava para uma   consciência viva de potência para o bem e era totalmente individual e pessoal[8].

Na atualidade a virtude é vista como algo que ultrapassa, está distante do homem. Hoje se fala de habilidade nos negócios e empreendimentos em substituição à virtude. Aquela concepção de virtude é algo inalcançável, segundo a crença atual[9].

Essa visão, logicamente, deve ser modificada, o que só ocorrerá a partir do reencontro do homem com a humildade e a veneração. Segundo Scheler[10], a busca destes dois representantes da virtude antiga é o caminho para a sua reabilitação.

Por isso da necessidade de se analisar a virtude, pois é a partir dela (virtude moral e intelectual) que se chegará à justiça.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Novo Código Penal é obscenidade, não tem conserto.

Abaixo segue entrevista concedida por Miguel Reale Júnior no site da revista Consultor Jurídico, onde fala sobre o novo projeto do Código Penal, expondo críticas sérias e que devem ser observadas, discutidas e socializadas por todos os operadores do Direito.
 
                                                 _____________xxxx_____________
 
"De todas as atividades que Miguel Reale Júnior já desempenhou na vida, a que melhor o define, e que exerceu por mais tempo, é a de professor. É livre-docente da Universidade de São Paulo desde 1973 e professor titular desde 1988. Foi lá também que concluiu seu doutoramento, em 1971. Tudo na área do Direito Penal.
 
Fora das salas de aula, foi ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso, secretário estadual de Segurança Pública de São Paulo durante o governo de Franco Montoro (1983-1987), presidente da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos desde sua criação até 2001 e presidente do PSDB. Mas é a versão "professor" que o jurista mais deixa aflorar nesta primeira parte da entrevista concedida à revista Consultor Jurídico no dia 21 de agosto.
 
O texto do anteprojeto de reforma do Código Penal, elaborado por uma comissão de juristas nomeada pelo Senado, recém-enviado ao Congresso, é hoje o alvo preferido do penalista. “O projeto é uma obscenidade, é gravíssimo”, diz. Para ele, os juristas chefiados pelo ministro Gilson Dipp, do Superior Tribunal de Justiça, não estudaram o suficiente. “Não têm nenhum conhecimento técnico-científico”, dispara.
 
Segundo o professor, faltou experiência à comissão. Tanto no manejo de termos técnicos e científicos quanto na elaboração de leis. Entre os erros citados, o mais grave, para Reale Júnior, foi a inclusão de doutrina e termos teóricos e a apropriação, segundo ele, indiscriminada, da lei esparsa no código. “Não tem conserto. Os erros são de tamanha gravidade, de tamanha profundidade, que não tem mais como consertar.”
 
Leia a primeira parte da entrevista:
 
ConJur — Qual sua avaliação do projeto de reforma do Código Penal?
Miguel Reale Júnior — É uma obscenidade, é gravíssimo. Erros da maior gravidade técnica e da maior

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

ISCA SOBRE RODAS: uma absurda proposta americana de combate ao crime




"Por meio de câmeras de alta tecnologia
escondidas no painel do carro e
sofisticados sistemas de rastreamento
por satélite, o Bait Car coloca você
na primeira fila para observar as
reações de audaciosos ladrões de carros”.

(Sinopse retirada do canal trutvbrasil)

         
       Como proposta de entretenimento o programa “isca sobre rodas”, exibido pelo canal pago trutvbrasil (assista à vídeos do programa), pode ser considerado de boa qualidade e inovador, seja pela tecnologia aplicada, seja pelas reações dos “ladrões de carro” quando presos logo após terem furtado um veículo.
  
         A ideia do programa é oferecer um carro como isca para ser furtado e, na sequência, a polícia efetuar a prisão, tudo sob as lentes de câmeras escondidas.

         Inicia-se a operação com uma abordagem falsa da polícia em um motorista/ator, o qual é obrigado a parar o veículo, geralmente em um bairro, num local adredemente escolhido pela equipe por ser mais vulnerável à subtração. Na abordagem, o falso motorista é preso por uma acusação qualquer e o veículo conduzido por ele fica estacionado na via pública, aberto e com as chaves na ignição.

         A partir daí o programa começa a tomar corpo. Várias equipes policiais estão estacionadas em locais estratégicos próximos ao veículo isca, acompanhando todo o movimento nas proximidades com câmeras escondidas nos veículos de apoio e no próprio bait car.

         Há todo um monitoramento com rastreadores e demais equipamentos técnicos que, quando acionados pela equipe policial, desliga o veículo isca e trava as portas com os ocupantes dentro.
        
         Ou seja, a polícia está à espera de alguém que queira furtar o veículo “abandonado” na via pública. A facilitação (veículo aberto e chave no contato) e o local escolhido pela polícia para armar a isca são situações intencionalmente propostas para que a subtração efetivamente aconteça.

         Quando alguém decide furtar o veículo, a equipe de monitoramento passa a acompanhar o trajeto do bait car, repassando as coordenadas para as demais equipes de apoio, que no encalço da isca fazem a prisão do “ladrão”, logo após o veículo ter sido desligado e as portas travadas pelo sistema de monitoramento à distância.

         Assim, continua o programa mostrando a prisão em flagrante e a condução do “ladrão” à delegacia de polícia para os procedimentos cabíveis.

         Como entretenimento o programa alcança a proposta a que se destina, qual seja apresentar ao telespectador o momento da subtração e da prisão, com todas as suas particularidades.

         Contudo, como combate ao crime a proposta é absurda, seja pela indução à prática criminosa, seja pela utilização do direito penal como instrumento de entretenimento ao grande público.

         No Brasil, tal situação não poderia sequer ser considerada crime, tendo em vista a configuração do crime impossível (artigo 17 do CP) pelo flagrante preparado, conforme Súmula 145 do STF:

Não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação.

         Nas condições apresentadas pelo programa, não há qualquer possibilidade do crime de furto ser consumado, o qual exige que a res furtiva esteja na posse tranquila do agente (REsp 678.220-RS e REsp 197.848-DF).

No caso, a polícia está a todo o momento no controle da situação, através de monitoramento por câmeras e por equipamentos de controle do veículo, fazendo a prisão quando achar mais adequado ao interesse do público. Não há qualquer possibilidade do agente consumar o furto. A sua prisão é uma questão de tempo.

         Portanto, pelo menos este formato não poderá ser copiado pela televisão brasileira, que a tudo copia, tendo em vista a não configuração do crime.

         A crítica que deixo é sobre a utilização midiática do direito penal, numa clara demonstração do desejo de punir por punir, sem a preocupação de políticas preventivas.

         Não é a toa que os Estados Unidos têm a maior população carcerária do mundo. A política de lei e ordem, de “limpeza” urbana está a todo vapor.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

BREVES APONTAMENTOS SOBRE DIREITO E JUSTIÇA


O Direito pode ser demonstrado quanto à natureza, aos fins e às práticas jurídicas e sociais.

Quanto à sua natureza, entende-se o Direito a partir de um conceito cultural, nascido das práticas sociais que interagem na sociedade, de uma realidade referida a valores, de uma realidade cujo sentido é achar-se ao serviço de certos valores, conforme teoriza Miguel Reale (Teoria Tridimensional do Direito. p. 94.).

É importante observar que o Direito é um instrumento a serviço da ideologia de seu povo para a realização de um bem comum, onde o conceito de Direito acha-se dependente da ideia de Direito.

A ideia de Direito, por sua vez, tem correlação com a ideia de justiça. A justiça é o ponto de partida para o conceito de Direito, tendo em vista que o fim do Direito é o homem, a justiça e a paz social. Direito, portanto, é um instrumento, um modelo criado pelo ser humano para organizar a sociedade, com a finalidade descrita acima, através de leis, as quais se apresentam como uma forma de explicar e balizar a conduta humana.

Adão Longo vai além, ao afirmar que o “Direito não é só a lei, a norma de conduta na vida social. O Direito é mais que isso: é a humanização da Justiça. Antes mesmo de ser uma obra corporificada do homem, o Direito já existe como figura ideal, segura e necessária ao relacionamento humano. Tanto assim que, malgrado a incineração de todos os códigos ou a violação de todas as leis, o Direito subsistirá sempre como uma essência da vida social” (O direito de ser humano. p. 26).

Mas o que se entende por justiça? Apesar de ser uma figura abstrata, idealizada pelo homem, justiça pode ser entendida sob dois aspectos: a) a justiça, no sentido subjetivo, é ser moralmente bom (Moral); tem relação entre homens; não se mede pelo Direito positivo - vai além da regra, sendo justiça como ideal político de liberdade e de igualdade; tem sentido de valor. b) a justiça, no sentido objetivo, pode ser identificada mediante a observação de alguns critérios, atribuíveis à lei: 1) quando há correspondência entre o conteúdo da lei e a demanda social; 2) Quando a lei visa garantir igualdade de direitos; 3) Quando a lei identifica-se com o próprio fato gerador (critério de verdade); 4) Justiça como legitimidade ética.

A primeira acepção pode ser atribuída a Clarence Morris, que em sua obra “A justificação do Direito” assim retira-se a seguinte passagem: “Expostas de maneira muito simples, minha teoria de justiça é a seguinte: quanto mais satisfaça às genuínas e importantes aspirações da sociedade, mais justo será o sistema legal” (citado por MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da Política Jurídica. p. 110).

Melo explica que Clarence Morris, retomando a ideia trazida por Aristóteles (teoria da vontade geral) e mesmo não trazendo critérios que possam identificar as “genuínas e importantes” aspirações da sociedade, constrói sua teoria com uma exposição clara e objetiva.

O segundo critério pode ser atribuído, modernamente, a doutrina contratualista de John Rawls, para quem a justiça deve ter por ideal político a liberdade e a igualdade, no sentido social mais amplo possível:

Primeiro, cada pessoa deve ter a mais ampla liberdade, sendo que esta última deve ser igual à dos outros e a mais extensa possível, na medida em que seja compatível com uma liberdade similar de outros indivíduos. Segundo, as desigualdades econômicas e sociais deve ser combinadas de forma a que ambas correspondam à expectativa de que trarão vantagens a todos e que sejam ligadas a proposições a órgãos abertos a todos (Uma teoria da justiça. p. 67).

A terceira ideia, segundo Melo (op. cit. p. 112), tem por objetivo arbitrar o justo e o injusto em razão do conhecimento do verdadeiro ou do falso que fundamente a norma (adequatio intelectus et rei). Os falsos fundamentos da norma as tornam injustas.

Por fim, a quarta concepção de justiça exige a coexistência harmoniosa entre a norma de Direito e a norma de Moral. Este conceito parte do entendimento de que a consciência Jurídica identifica a justiça da norma com uma obrigação moral do agir, que a mesma deve prescrever. Sendo o conteúdo de uma norma um pressuposto para o juízo do justo, pode-se afirmar que não há justiça que não seja uma valoração ética (MELO, Osvaldo Ferreira de. op. cit. p.113/114).

Importante salientar que não é apenas o senso de justiça que deve ser realizado pelo Direito. Há, também, a ideia de utilidade, que mesmo distante do conteúdo ético e moral da norma, apresenta-se de suma importância quando se trata de normas técnicas, organizacionais (normas de trânsito, a ABNT etc.). Estas, por não terem um conteúdo que se relacionem com os desejos e valores sociais, são necessárias para a complementação da regulamentação e sua utilidade social é quem vai lhe atribuir o caráter de legítimas ou ilegítimas.

Assim, o sentido do Direito implicaria obrigatoriamente na aglutinação do sentido de justiça (dos valores referenciais) e do sentido de utilidade social, dos fins que ele, o Direito, deva e possa alcançar (MELO, Osvaldo Ferreira de. Op. cit. p. 105).

Desta forma, quanto aos fins, o Direito pode ser demonstrado como um instrumento em busca da justiça e da paz social.

No tocante às práticas sociais e jurídicas, o Direito demonstra-se na ideia de que tem origem nas práticas sociais, onde a sua exteriorização, a norma, deve ser legitimada pela sociedade e o sentimento de justiça deve sempre estar presente na lei e na decisão proferida pelos seus operadores.

Por fim, cabe realçar as características do Direito. Apesar de atribuírem-no como características a exterioridade, a heteronomia, a coação e a bilateralidade, apenas a imperatividade e a exigibilidade são atribuíveis exclusivamente ao Direito.

A exteriorização – regula a conduta exterior dos homens – não é uma característica sempre presente no Direito, que também pode regular as condutas interiores, na medida em que anuncia ou deixa esperar uma conduta exterior. Ex: diferentes formas de culpa e a boa-fé; o perigo Moral a um menor já autoriza a intervenção e proteção do Estado (RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito. p. 179).

A heteronomia – homem necessariamente obrigado a obedecer regras postas por outrem – também não é impreterível. Para Reale (Filosofia do Direito, p. 286), o Direito também pode ser autônomo (inerente à Moral) quando as regras são postas pelo indivíduo ou reconhecidas espontaneamente por ele. Pode haver cumprimento de regra jurídica com plena correspondência entre a “vontade da lei” e a “vontade do obrigado”.

A coação, para Kant e Jhering, é elemento necessário e intrínseco ao Direito. Já para Thomasius o Direito não se realiza sempre pela força, podendo haver a realização espontânea. Deve ser diferenciada a coação no sentido de coercível (coercibilidade) – estado latente, em potencial (Thomasius, Reale) – da coação no sentido de coercitivo (coercitividade) – coerção sem a qual não haveria Direito (Kant e Jhering).

A coação também se apresenta como característica da religião, dos costumes, não sendo, portanto, exclusiva da norma jurídica. 

Já a imperatividade e a exigibilidade são características exclusivas do Direito, na medida em que a aplicação da norma jurídica é destinada a todos, indistintamente, a qual deve ser obrigatoriamente observada, estando amparada pelo império do Estado.

A exterioridade, a heteronomia, a coação e a bilateralidade, como tantas outras, podem ser vistas como adjetivos do Direito. 

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

SUPERANDO O MITO DA VERDADE REAL: A artimanha para “legitimar” a produção de provas de ofício pelo juiz.





“Eu já passei por todas as religiões
Filosofias, políticas e lutas
Aos 11 anos de idade eu já desconfiava
Da verdade absoluta.”
(As aventuras de Raul Seixas na cidade de Thor – Raul Seixas)

Não são poucas as doutrinas de processo penal e, consequentemente, os juristas em geral que apregoam ter o processo penal a função de buscar a verdade real. Para isso, sustentam que o juiz está autorizado a ir além das provas existentes no processo, na busca do fato “verdadeiro”.
Tenho compartilhado com meus alunos que a verdade real é um sofisma, um embuste, uma artimanha para “legitimar” a produção de provas de ofício pelo juiz, até mesmo antes de oferecida a ação penal (art. 156 CPP). Se observarmos as doutrinas processuais tradicionais, encontraremos a posição de que a função do processo penal é buscar a verdade real, a qual, para ser desvelada, autoriza o juiz a não ficar adstrito à prova trazida pelas partes, podendo, de ofício, sair à procura de elementos probatórios que possam “esclarecer o fato”.
O problema é que a verdade real pressupõe uma verdade absoluta, que está no todo, devendo o juiz, para encontrá-la, conhecer a totalidade dos fatos, absolutamente todas as variáveis que envolveram o crime o que, sejamos francos, é algo teratológico.
Achar que isso é possível (encontrar a verdade real/absoluta) me aparenta certa ingenuidade ou até mesmo traquinice.
Ingenuidade, pois o processo penal não tem por função buscar a verdade real e tampouco fazer justiça. O processo penal tem por função: 1) instrumentalizar a aplicação do direito penal; 2) legitimar a aplicação da pena, garantindo os direitos do acusado e; 3) reproduzir o fato aparentemente criminoso pretérito, por meio da prova.
Ou seja, o processo penal tem caráter instrumental.
Jamais o processo penal teve a pretensão de fazer “justiça”, até porque esta categoria é subjetiva e incerta quanto à sua extensão. Tampouco tem a prepotência de buscar a verdade real, absoluta. Esta é inalcançável, não nos pertence.
Ora, se aceitarmos a ideia de que o processo penal busca a verdade real, tendo o juiz o poder de buscar, mesmo de ofício, a prova que demonstre esta verdade, então toda a sentença penal, por conclusão lógica, será absolutamente verdadeira, representando o que realmente ocorreu. Com esta premissa, a sentença não poderá ser modificada em grau de recurso, pois ela compreendeu e captou os fatos na sua totalidade.
Logicamente que assim não ocorre. Muitas sentenças são reformadas em grau de recurso, onde o tribunal ad quem, analisando as mesmas provas, conclui diferentemente do juízo ad quo. Então, com quem está a verdade agora? Será que alguém está mentindo? Se a decisão de primeiro grau, onde o juiz fez prova de ofício, reproduziu a verdade real (absoluta), como pode esta “verdade” não ser aceita pelo tribunal? O que era verdade passou a ser inverdade?
A sentença judicial representa simplesmente uma crença do juiz (Aury Lopes Jr.). Ele conclui sobre aquilo que as partes lhe demonstraram por intermédio da prova (e prova é somente o que for produzido em contraditório judicial, vide artigo 155 CPP). A sentença judicial é um posicionamento fundamentado que o juiz é obrigado a proferir, mas o quanto este posicionamento representa o que realmente ocorreu ninguém sabe.
A defesa desta ingênua ideia também é uma traquinice que, no fundo, pode não ser tão ingênua assim. Matreiramente sustenta-se que para buscar a verdade real o juiz necessita produzir provas de ofício, tanto que o art. 156 do CPP prevê esta prática.
Com esta autorização, quebrada está a imparcialidade do juiz, jogando-se às favas o sistema acusatório previsto na CRFB/88 (o artigo 129, inciso I, garante a exclusividade da acusação por parte do MP), transformando o CPP em um instrumento inquisitivo, onde a gestão da prova está nas mãos do julgador, podendo agir também enquanto acusador, tal qual agia-se na época da inquisição (Geraldo Prado, Aury Lopes Jr., Jacinto Nelson de Miranda Coutinho).
Passados 24 anos da Constituição Federal ter estabelecido o sistema acusatório (juiz imparcial), ainda temos dificuldades de assimilar esta quebra de paradigma, insistindo na verdade real e na produção de provas de ofício pelo juiz.
Mas, aos poucos, este mito está sendo deixado de lado. Aos poucos perceberão que o processo penal não tem por função buscar a verdade, mas tão somente ser um instrumento de aplicação do direito material e de controle das garantias fundamentais individuais. Aos poucos perceberão que a gestão da prova não pode ficar a mercê do juiz, sob pena de quebrar a imparcialidade exigida pela CRFB/88 e ficará para traz, na memória que deve ser esquecida, a época em que o CPP autorizava o juiz a fazer provas de ofício sob o falso manto da verdade real.