segunda-feira, 22 de outubro de 2012

BREVES APONTAMENTOS SOBRE DIREITO E JUSTIÇA


O Direito pode ser demonstrado quanto à natureza, aos fins e às práticas jurídicas e sociais.

Quanto à sua natureza, entende-se o Direito a partir de um conceito cultural, nascido das práticas sociais que interagem na sociedade, de uma realidade referida a valores, de uma realidade cujo sentido é achar-se ao serviço de certos valores, conforme teoriza Miguel Reale (Teoria Tridimensional do Direito. p. 94.).

É importante observar que o Direito é um instrumento a serviço da ideologia de seu povo para a realização de um bem comum, onde o conceito de Direito acha-se dependente da ideia de Direito.

A ideia de Direito, por sua vez, tem correlação com a ideia de justiça. A justiça é o ponto de partida para o conceito de Direito, tendo em vista que o fim do Direito é o homem, a justiça e a paz social. Direito, portanto, é um instrumento, um modelo criado pelo ser humano para organizar a sociedade, com a finalidade descrita acima, através de leis, as quais se apresentam como uma forma de explicar e balizar a conduta humana.

Adão Longo vai além, ao afirmar que o “Direito não é só a lei, a norma de conduta na vida social. O Direito é mais que isso: é a humanização da Justiça. Antes mesmo de ser uma obra corporificada do homem, o Direito já existe como figura ideal, segura e necessária ao relacionamento humano. Tanto assim que, malgrado a incineração de todos os códigos ou a violação de todas as leis, o Direito subsistirá sempre como uma essência da vida social” (O direito de ser humano. p. 26).

Mas o que se entende por justiça? Apesar de ser uma figura abstrata, idealizada pelo homem, justiça pode ser entendida sob dois aspectos: a) a justiça, no sentido subjetivo, é ser moralmente bom (Moral); tem relação entre homens; não se mede pelo Direito positivo - vai além da regra, sendo justiça como ideal político de liberdade e de igualdade; tem sentido de valor. b) a justiça, no sentido objetivo, pode ser identificada mediante a observação de alguns critérios, atribuíveis à lei: 1) quando há correspondência entre o conteúdo da lei e a demanda social; 2) Quando a lei visa garantir igualdade de direitos; 3) Quando a lei identifica-se com o próprio fato gerador (critério de verdade); 4) Justiça como legitimidade ética.

A primeira acepção pode ser atribuída a Clarence Morris, que em sua obra “A justificação do Direito” assim retira-se a seguinte passagem: “Expostas de maneira muito simples, minha teoria de justiça é a seguinte: quanto mais satisfaça às genuínas e importantes aspirações da sociedade, mais justo será o sistema legal” (citado por MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da Política Jurídica. p. 110).

Melo explica que Clarence Morris, retomando a ideia trazida por Aristóteles (teoria da vontade geral) e mesmo não trazendo critérios que possam identificar as “genuínas e importantes” aspirações da sociedade, constrói sua teoria com uma exposição clara e objetiva.

O segundo critério pode ser atribuído, modernamente, a doutrina contratualista de John Rawls, para quem a justiça deve ter por ideal político a liberdade e a igualdade, no sentido social mais amplo possível:

Primeiro, cada pessoa deve ter a mais ampla liberdade, sendo que esta última deve ser igual à dos outros e a mais extensa possível, na medida em que seja compatível com uma liberdade similar de outros indivíduos. Segundo, as desigualdades econômicas e sociais deve ser combinadas de forma a que ambas correspondam à expectativa de que trarão vantagens a todos e que sejam ligadas a proposições a órgãos abertos a todos (Uma teoria da justiça. p. 67).

A terceira ideia, segundo Melo (op. cit. p. 112), tem por objetivo arbitrar o justo e o injusto em razão do conhecimento do verdadeiro ou do falso que fundamente a norma (adequatio intelectus et rei). Os falsos fundamentos da norma as tornam injustas.

Por fim, a quarta concepção de justiça exige a coexistência harmoniosa entre a norma de Direito e a norma de Moral. Este conceito parte do entendimento de que a consciência Jurídica identifica a justiça da norma com uma obrigação moral do agir, que a mesma deve prescrever. Sendo o conteúdo de uma norma um pressuposto para o juízo do justo, pode-se afirmar que não há justiça que não seja uma valoração ética (MELO, Osvaldo Ferreira de. op. cit. p.113/114).

Importante salientar que não é apenas o senso de justiça que deve ser realizado pelo Direito. Há, também, a ideia de utilidade, que mesmo distante do conteúdo ético e moral da norma, apresenta-se de suma importância quando se trata de normas técnicas, organizacionais (normas de trânsito, a ABNT etc.). Estas, por não terem um conteúdo que se relacionem com os desejos e valores sociais, são necessárias para a complementação da regulamentação e sua utilidade social é quem vai lhe atribuir o caráter de legítimas ou ilegítimas.

Assim, o sentido do Direito implicaria obrigatoriamente na aglutinação do sentido de justiça (dos valores referenciais) e do sentido de utilidade social, dos fins que ele, o Direito, deva e possa alcançar (MELO, Osvaldo Ferreira de. Op. cit. p. 105).

Desta forma, quanto aos fins, o Direito pode ser demonstrado como um instrumento em busca da justiça e da paz social.

No tocante às práticas sociais e jurídicas, o Direito demonstra-se na ideia de que tem origem nas práticas sociais, onde a sua exteriorização, a norma, deve ser legitimada pela sociedade e o sentimento de justiça deve sempre estar presente na lei e na decisão proferida pelos seus operadores.

Por fim, cabe realçar as características do Direito. Apesar de atribuírem-no como características a exterioridade, a heteronomia, a coação e a bilateralidade, apenas a imperatividade e a exigibilidade são atribuíveis exclusivamente ao Direito.

A exteriorização – regula a conduta exterior dos homens – não é uma característica sempre presente no Direito, que também pode regular as condutas interiores, na medida em que anuncia ou deixa esperar uma conduta exterior. Ex: diferentes formas de culpa e a boa-fé; o perigo Moral a um menor já autoriza a intervenção e proteção do Estado (RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito. p. 179).

A heteronomia – homem necessariamente obrigado a obedecer regras postas por outrem – também não é impreterível. Para Reale (Filosofia do Direito, p. 286), o Direito também pode ser autônomo (inerente à Moral) quando as regras são postas pelo indivíduo ou reconhecidas espontaneamente por ele. Pode haver cumprimento de regra jurídica com plena correspondência entre a “vontade da lei” e a “vontade do obrigado”.

A coação, para Kant e Jhering, é elemento necessário e intrínseco ao Direito. Já para Thomasius o Direito não se realiza sempre pela força, podendo haver a realização espontânea. Deve ser diferenciada a coação no sentido de coercível (coercibilidade) – estado latente, em potencial (Thomasius, Reale) – da coação no sentido de coercitivo (coercitividade) – coerção sem a qual não haveria Direito (Kant e Jhering).

A coação também se apresenta como característica da religião, dos costumes, não sendo, portanto, exclusiva da norma jurídica. 

Já a imperatividade e a exigibilidade são características exclusivas do Direito, na medida em que a aplicação da norma jurídica é destinada a todos, indistintamente, a qual deve ser obrigatoriamente observada, estando amparada pelo império do Estado.

A exterioridade, a heteronomia, a coação e a bilateralidade, como tantas outras, podem ser vistas como adjetivos do Direito. 

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