publicado originalmente no empório do direito.
Com a crescente utilização das Constelações Familiares no
âmbito judicial, tem-se presenciado algumas práticas que precisam ser melhor
analisadas e discutidas.
Talvez pela ausência de uma legislação específica sobre o caso, é comum juízes
e promotores atuarem como consteladores ou participarem das constelações
sistêmicas em processos judiciais sob suas competências jurisdicionais.
Nos parece, com toda certeza, que essa prática é ilegal.
Se por um lado não temos uma legislação específica sobre a prática das
constelações familiares no judiciário, por outro possuímos regras gerais que
podem e devem ser aplicadas, por analogia, à questão proposta.
No artigo 145, inciso II, do Código de Processo Civil, o juiz deve declarar-se
suspeito, por exemplo, quando tiver aconselhado alguma das partes acerca do
objeto da causa. Bem sabemos que o facilitador da constelação pode, em certas
situações, indicar qual deva ser a melhor solução para o conflito, pela
percepção fenomenológica surgida no exercício.
Por exemplo, é bastante comum que em uma constelação o real motivo do conflito,
até então oculto, inclusive para o juiz/promotor, venha à luz, influenciando o
desenrolar do litígio. No exemplo, caso a parte opte por não realizar algum
acordo ou não concorde com o fenômeno vivenciado e queira manter o processo,
esse juiz que participou (como constelador ou apenas como ouvinte) terá que
instruir e julgar o caso. Não tenho dúvida alguma que sua parcialidade está
prejudicada. O mesmo raciocínio se aplica ao membro do Ministério Público.
No Código de Processo Penal, em seu artigo 254, inciso IV, o juiz deverá
declara-se suspeito caso tenha aconselhado qualquer das partes.
Se não bastasse, a Resolução 225/16 do CNJ, que trata da Justiça Restaurativa,
prevê o seguinte:
Art. 15. É vedado ao
facilitador restaurativo:
I – impor determinada decisão,
antecipar decisão de magistrado, julgar, aconselhar, diagnosticar ou simpatizar
durante os trabalhos restaurativos;
II – prestar testemunho em
juízo acerca das informações obtidas no procedimento restaurativo;
III – relatar ao juiz, ao
promotor de justiça, aos advogados ou a qualquer autoridade do Sistema de
Justiça, sem motivação legal, o conteúdo das declarações prestadas por qualquer
dos envolvidos nos trabalhos restaurativos, sob as penas previstas no art. 154
do Código Penal.
Veja que na Justiça Restaurativa o facilitador não pode decidir ou antecipar
qualquer decisão, nem mesmo aconselhar as partes. Também não pode prestar
testemunho sobre o que foi vivenciado na facilitação e, com todo o acerto,
relatar ao juiz ou promotor o conteúdo das declarações prestadas no contexto da
facilitação restaurativa.
Com isso, nos parece que está bem clara a proibição do juiz e promotor tomar
conhecimento do conteúdo da facilitação, o que o proíbe, por dedução lógica, em
participar como ouvinte ou facilitador.
Vamos para outro exemplo. Em uma constelação presenciada pelo promotor, surge a
informação da prática de um crime de ação penal pública incondicionada,
ocorrida naquele contexto familiar e que, até agora, era desconhecido das
autoridades públicas e até mesmo dos demais membros da família. Como o promotor
deverá agir nesse caso? Pela legislação, deverá requisitar a abertura de
inquérito policial (artigo 5º inciso II CPP). E se assim não agir, estaria
prevaricando?
Veja que esse exemplo se aplica ao delegado de polícia, pois teria ele
obrigação legal de abrir investigação de ofício (artigo 5º inciso I CPP) e ao
juiz, que deveria requisitar, da mesma forma que o promotor, a abertura de
investigação policial.
Não tenho dúvida que no exemplo acima as autoridades estariam agindo de forma
absolutamente parcial, pela simples necessidade de cumprir a lei. Então e até
mesmo como segurança à função que esses profissionais exercem, é de bom alvitre
que referidas autoridades não presenciem ou facilitem tais exercícios.
Desta forma, entendo que a Constelação Familiar não pode ser presenciada ou
facilitada por juiz ou promotor de justiça, sob pena de suspeição e nulidade
dos atos praticados no processo.
Portanto e até em respeito às leis sistêmicas, é importante que o juiz/promotor
saiba qual é o seu lugar e, caso queira atuar ou presenciar as oficinas
sistêmicas, que se declare suspeito para a continuidade do processo, caso o
acordo não ocorra.
Cabe a nós, advogados, a fiscalização dessa prática rotineira no judiciário
brasileiro, levantando a suspeição do juiz e do promotor que participem ou
facilitem constelações e demais exercícios sistêmicos em processos sob suas
jurisdições.
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