segunda-feira, 29 de outubro de 2012

ISCA SOBRE RODAS: uma absurda proposta americana de combate ao crime




"Por meio de câmeras de alta tecnologia
escondidas no painel do carro e
sofisticados sistemas de rastreamento
por satélite, o Bait Car coloca você
na primeira fila para observar as
reações de audaciosos ladrões de carros”.

(Sinopse retirada do canal trutvbrasil)

         
       Como proposta de entretenimento o programa “isca sobre rodas”, exibido pelo canal pago trutvbrasil (assista à vídeos do programa), pode ser considerado de boa qualidade e inovador, seja pela tecnologia aplicada, seja pelas reações dos “ladrões de carro” quando presos logo após terem furtado um veículo.
  
         A ideia do programa é oferecer um carro como isca para ser furtado e, na sequência, a polícia efetuar a prisão, tudo sob as lentes de câmeras escondidas.

         Inicia-se a operação com uma abordagem falsa da polícia em um motorista/ator, o qual é obrigado a parar o veículo, geralmente em um bairro, num local adredemente escolhido pela equipe por ser mais vulnerável à subtração. Na abordagem, o falso motorista é preso por uma acusação qualquer e o veículo conduzido por ele fica estacionado na via pública, aberto e com as chaves na ignição.

         A partir daí o programa começa a tomar corpo. Várias equipes policiais estão estacionadas em locais estratégicos próximos ao veículo isca, acompanhando todo o movimento nas proximidades com câmeras escondidas nos veículos de apoio e no próprio bait car.

         Há todo um monitoramento com rastreadores e demais equipamentos técnicos que, quando acionados pela equipe policial, desliga o veículo isca e trava as portas com os ocupantes dentro.
        
         Ou seja, a polícia está à espera de alguém que queira furtar o veículo “abandonado” na via pública. A facilitação (veículo aberto e chave no contato) e o local escolhido pela polícia para armar a isca são situações intencionalmente propostas para que a subtração efetivamente aconteça.

         Quando alguém decide furtar o veículo, a equipe de monitoramento passa a acompanhar o trajeto do bait car, repassando as coordenadas para as demais equipes de apoio, que no encalço da isca fazem a prisão do “ladrão”, logo após o veículo ter sido desligado e as portas travadas pelo sistema de monitoramento à distância.

         Assim, continua o programa mostrando a prisão em flagrante e a condução do “ladrão” à delegacia de polícia para os procedimentos cabíveis.

         Como entretenimento o programa alcança a proposta a que se destina, qual seja apresentar ao telespectador o momento da subtração e da prisão, com todas as suas particularidades.

         Contudo, como combate ao crime a proposta é absurda, seja pela indução à prática criminosa, seja pela utilização do direito penal como instrumento de entretenimento ao grande público.

         No Brasil, tal situação não poderia sequer ser considerada crime, tendo em vista a configuração do crime impossível (artigo 17 do CP) pelo flagrante preparado, conforme Súmula 145 do STF:

Não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação.

         Nas condições apresentadas pelo programa, não há qualquer possibilidade do crime de furto ser consumado, o qual exige que a res furtiva esteja na posse tranquila do agente (REsp 678.220-RS e REsp 197.848-DF).

No caso, a polícia está a todo o momento no controle da situação, através de monitoramento por câmeras e por equipamentos de controle do veículo, fazendo a prisão quando achar mais adequado ao interesse do público. Não há qualquer possibilidade do agente consumar o furto. A sua prisão é uma questão de tempo.

         Portanto, pelo menos este formato não poderá ser copiado pela televisão brasileira, que a tudo copia, tendo em vista a não configuração do crime.

         A crítica que deixo é sobre a utilização midiática do direito penal, numa clara demonstração do desejo de punir por punir, sem a preocupação de políticas preventivas.

         Não é a toa que os Estados Unidos têm a maior população carcerária do mundo. A política de lei e ordem, de “limpeza” urbana está a todo vapor.

Um comentário:

V disse...

Artigo interessante! Eu estava com essa dúvida hoje quanto a ser ou não constitucional usar isso no Brasil, pois já usam em países ridículos mundo a fora, incluindo o mais ridículo deles obviamente (Inglaterra). E seu artigo elucidou bem essa questão. Obrigado