quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Conhecimento e afetividade na contramão, até quando?




Fonte: politicaspublicasbahia.org.br

Todos sabemos que o ser humano evolui intelectualmente muito mais rápido que moral e eticamente. Basta observarmos o avanço tecnológico e científico atual, as promessas evolucionistas e compararmos com a crescente onda de violência que cerca a humanidade, as guerras em nome de "Deus", o aumento do consumo de drogas, a banalização da sexualidade etc.
Em muitas situações necessitamos não de ciência ou intelecto, mas de humanização, afetividade, solidariedade e fraternidade. Esta última, pela importância que tem, está prevista no artigo I da Declaração Universal dos Direitos Humanos: "Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão  e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade".
Infelizmente vizualisamos que muitos profissionais, com avançada técnica e um intelecto diferenciado, não conseguem ter um mínimo de tato no trato com o outro.
Em todas as áreas encontramos estes profissionais, não sendo diferente na jurídica. É muito comum nos depararmos com "operadores jurídicos" que agem como operadores de máquinas (a máquina do direito, da lei) e esquecem que o fim a que se destina toda a produção legal é o ser humano.
Seja o autor ou o demandado, o acusado ou a vítima, as testemunhas ou os profisisonais que atuem no processo, o que se espera é que a técnica não se sobreponha ao ser humano. É possível aplicar a lei, com toda a sua dureza, respeitando a dignidade das pessoas que integram o processo.
Alexandre Morais da Rosa, no seu livro Decisão Penal: a bricolage de significantes, já afirmava que a sentença penal é produzida seguindo-se uma receita, da mesma forma que se faz um bolo qualquer. Basta o passo a passo dos "manuais" que a sentença sairá dos fornos prontinha, sem muitas vezes e na maioria das vezes, ter o juiz analizado o caso sub judice de forma concreta e individualizada.
Há tribunais de justiça que disponibilizam aos juízes modelos de sentenças. Triste! Nos tornamos meros objetos enquadráveis em modelos.
Isso demonstra a falta de humanização nas relações jurídicas, onde o que importa é muitas vezes as metas de "produção" (onde o produto sãos as partes do processo) a serem alcançadas; quanto mais processo for julgado, mais bem visto pelo "Tribunal-Pai" (expressão de Alexandre Morais da Rosa) será o julgador.
A seguir me utilizo do texto produzido pela Psicóloga Mayara Cristina Fonseca, onde ela demonstra, com clareza, a ausência de humanização nas relações profissionais:
"Pensando em humanização OU desumanização
Interessante termos uma palavra que categorize algo que, a princípio, seria “natural” ou seja, o ser humano, humanizado.
Que confusão é essa?  
Precisamos definir o que é humano para o próprio humano? Como podemos pensar em um ser humano desumanizado? Parece-me que esta situação se configura nas relações sociais, nas relações diárias, rotineiras, de trabalho, afetivas, enfim, nas relações entre humano e humano.
         E com isso, mais precisamente podemos pensar nas relações estabelecidas em nossas profissões, seja ela qual for, como agimos (e sentimos) com o Outro a nossa frente.
         O profissionalismo requer dedicação e conhecimento técnico, não há dúvidas quanto a isso, mas a serviço de que a técnica está? Então, porque a técnica ficou tão refinada, tão maravilhosa, tão importante, enquanto temos alguém operando a técnica em “benefício” de Outro, sem ao menos olhar, estar de fato diante deste Outro.
         Muitas vezes parece que, para se adquirir conhecimento técnico, “um saber”, é preciso se distanciar, mostrar-se (in)diferente, colocar-se em outro lugar. Observemos a nossa volta, quantos “Doutores” estão trabalhando e se relacionando apenas com os papéis, com um corpo doente, penalizado, com os números a sua frente.
Valdemar A. Angerami Camon, contribui significativamente para esta reflexão:
Reconhecer o outro como semelhante é uma das mais difíceis condições de nossa própria humanidade. Falamos de maneira fácil nesse reconhecimento, mas nossa cotidianidade está cheia de exemplos a mostrar o quanto estamos distantes dessa afirmação (Psicossomática e suas interfaces: o processo silencioso do adoecimento, 2012, Editora Cengage Learning, p. 6).
É fato tal afirmação. Pois quando nos deparamos (ou ouvimos alguém comentar) que aquele “Doutor” é tão bom, pois ele “conversa”, “cumprimenta”, “trata bem”. Nossa! O que deveria ser natural em uma relação profissional, pessoas se cumprimentarem, conversarem sobre suas questões, com respeito mútuo, acaba sendo a exceção, ou talvez, para ser menos pessimista, a minoria.
Pensemos na sabedoria infantil, que se preocupa em estar com o outro, com o afeto. Com a intelectualização vamos perdendo esta sabedoria emocional de uma forma arrebatadora. Será que não dá para conciliá-la com os aprendizados que vamos adquirindo? Em que momento aprendemos que precisamos separar e categorizar?
Conhecimento e afetividade na contramão. Será que não dá para construirmos uma estrada de mão dupla aí? O caminho é mais seguro e lado a lado. E a construção é diária, nos detalhes, porque a técnica sozinha não é nada, é preciso um coração por traz da máquina, dos livros, dos papéis. Lembremo-nos que levamos conosco a cada segundo a construção de nossas escolhas, e a vida faz um convite todos os dias para que tenhamos consciência do quanto somos capazes e responsáveis pela realidade que se apresenta.
Ressalto Camon que escreve sobre o profissional da saúde, mas que cabe a todos os profissionais:
Ao negar a dor do outro, o profissional da saúde não apenas nega a dor de seu semelhante, como também a sua própria condição humana, pois dentre as virtudes humanas, uma das que mais nos diferencia de outras espécies é justamente aquela que nos capacita a compreender e a apreender a dor do outro naqueles momentos em que a fragilidade humana deveria evocar outra virtude humana: a fraternidade (op, cit p. 26).
Sigamos nossa construção pessoal, observando como estamos vivenciando nossa prática profissional, ou seja, pessoal."

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