segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Quanto mais empatia pelos envolvidos, menos se utiliza o Direito Penal como solução

Publicado originalmente no justificando.com.br
Sabemos que crime é aquilo que o Direito Penal tipifica e sabemos também que esta intervenção é por nós aceita e apoiada quando um terceiro, distante, desconhecido, pratica referida conduta tipificada.
Diametralmente oposta é nossa postura quando praticamos ou um familiar ou amigo pratica um crime. Nesses casos olhamos a intervenção penal, muitas vezes, como desnecessária e agressiva demais. Procuramos sempre “aliviar” o ato desse próximo, na medida em que nos regozijamos com a pena aplicada ao outro (distante).
Há, talvez, uma explicação para esses comportamentos, trazido por Nils Christie. Segundo ele “entre pessoas que se conhecem, é menos natural aplicar categorias criminais. Podemos não gostar do que fizeram e até tentar evitá-lo, mas não sentimos necessidade de usar as categorias simplórias da lei penal. Se aplicados, esses rótulos não aderem com a mesma amplitude”.[1]
Numa modernidade que individualiza cada vez mais as relações, as tornando distantes, é compreensível que tenhamos essa postura. Essa reflexão de Christie se aproxima daquela trazida por Maffesoli[2], quando trabalha com a necessidade de retorno à tribo, à aproximação das relações e convívios.
Esse retorno, por fortalecer as relações primárias, enquanto instrumento de controle social informal, pode ser uma real possibilidade de se aplicar menos o Direito Penal.
Nos períodos em que a escassez predominava, obrigando uma proximidade, até como forma de sobrevivência, a partir de ajudas mútuas, o desejo pela intervenção estatal por meio de pena era diminuta. Logicamente que violência existia, furto, roubo, homicídio, mas havia uma rede de relações que permitia uma compreensão do ato praticado. Conhecia-se a história do “delinquente”, sua trajetória de vida, seus familiares e as dificuldades que passavam. Isso não justificava o ato, mas muitas vezes o explicava e com isso não olhávamos aquilo como um atentado à paz social.
Certa vez alguém me contou um episódio. Um policial prendeu um jovem por tráfico de drogas. Dirigiu-se até a casa do rapaz, para averiguar se havia mais drogas, onde encontrou na casa 3 crianças pequenas, sozinhas. Eram os filhos do detido, cuja mãe havia falecido. Não tinha parentes próximos. O policial conversou longamente com o rapaz e optou por não o prender. Disse ele que pesou o futuro das crianças. Para onde iam? Como seriam criados?
Numa visão rasteira é muito fácil criticarmos a postura do policial, que prevaricou e não prendeu em flagrante delito um traficante. Mas se olharmos com algum cuidado, cientes de que a guerra às drogas é um mecanismo hipócrita e causador de muito mais violência do que o próprio tráfico, se entendermos que não é pelo combate que se vence o tráfico, não será difícil ver a humanidade que motivou a atitude do policial.
Soube ele, policial, posteriormente, que o preso achou um emprego e seguiu sua vida junto a seus filhos.
Por isso, explica Christie, a importância “da proximidade/distância na criação de sentido é visível em todas as áreas da vida”.[3]
Pensemos como cada um pode diminuir essas distâncias com o vizinho, com o colega de trabalho ou de escola. São movimentos individuais que incentivam um movimento coletivo.


[1] CHRISTIE, Nils. Uma razoável quantidade de crime. Rio de Janeiro: Revan, 2011, p. 107.
[2] MAFFESOLI, Michel. Tempo das tribos: o declínio do individualismo. São Paulo: Forense, 2006.
[3] CHRISTIE, Nils. Uma razoável quantidade de crime. Rio de Janeiro: Revan, 2011, p. 27.

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