segunda-feira, 10 de julho de 2017

Direito Penal Sistêmico – A aplicação das leis sistêmicas de Bert Hellinger ao Direito Penal

Fabiano Oldoni
Márcia Sarubbi Lippmann

Publicado originalmente no emporiododireito.com.br


1. INTRODUÇÃO ÀS CONSTELAÇÕES FAMILIARES
As Constelações Familiares encontram sua base na terapia sistêmica, que indaga sobre as relações não aparentes que vinculam uma pessoa à própria família.
Bert Hellinger, o criador das Constelações Familiares, foi inovador e original, ao unir em sua técnica vários tipos de psicoterapia, aprofundando-se em múltiplos campos do saber: Terapia Primal, Gestalt Terapia, Análises Transacionais de Eric Berne, Dinâmicas de Grupo, Terapias Familiares, Programação Neurolinguística (PNL) de Richard Bandler e John Grinder, Hipnose Eriksoniana, Psicodrama de Jacobs Levi Moreno, Escultura Familiar de Virginia Satir e a “Terapia do Abraço” de Jirina Prekop.
Assim tem-se uma sólida base psicológica que sustenta a técnica proposta por Bert Hellinger, bem como seu pioneirismo ao uni-las de forma sistêmica:
Bert Hellinger organizou, de maneira ímpar todo conhecimento sistêmico e o tornou disponível para o caminho da cura, do bem-estar e do desenvolvimento humano. A técnica das Constelações Familiares pode ser compreendida por meio dos conhecimentos da Biologia, pesquisados por Maturana, Varela, Rupert Sheldrake, notáveis cientistas contemporâneos[1].
Por volta nos anos 80, Hellinger funda sua visão teórico-metodológica das Constelações Familiares Sistêmicas, resultado de muitos experimentos e de sua intuição em relação aos vários campos do saber pelos quais transitou. Cabe aqui mencionar que Hellinger, em decorrência de sua formação religiosa, realizou profundos estudos em filosofia, teologia, pedagogia e pode experienciar uma visão completamente diversa e autocompositva de solução de conflitos em seu trabalho como missionário católico na África do Sul, junto às populações Zulu.
Foi exatamente durante esta experiência profunda, que durou certa de 16 anos, onde atuou como professor e sacerdote, que teve contato com novas formas de relacionamento interpessoais, pois as relações nas tribos locais eram baseadas no profundo e natural respeito recíproco entre os membros da tribo, na função desenvolvida e da autoridade de cada membro. Neste período conheceu e aplicou as dinâmicas de grupo, que depois vieram a estimular suas pesquisas.
Assim, a abordagem das Constelações Familiares não oferece uma perspectiva de natureza psico-analítica, mas sistêmico-fenomenológica.
Sinteticamente podemos definir abordagem sistêmica, no contexto em questão, como a visão de que cada indivíduo faz parte de um sistema e não deve ser visto apenas individualmente, desta feita, compreende-se sistema como um grupo de pessoas conectadas entre si por um destino comum e relações recíprocas, onde cada membro do grupo influencia os membros de seu sistema:
Ao vir ao mundo no seio de uma família, não herdamos somente um patrimônio genético, mas sistemas de crença e esquemas de comportamento. Nossa família é o campo de energia no interior do qual evoluímos. Cada um, desde seu nascimento, ocupa aqui um lugar único[2].   
No tocante a abordagem fenomenológica, faz-se referência a fenomenologia de Edmund Husserl. Nesse sentido, o “fenômeno” que se mostra durante uma constelação prevalece sobre as tentativas de leitura dos fatos, tendo como base uma lógica pré-estabelecida. A abordagem fenomenológica nas Constelações Familiares abre para percepção de uma ampla gama de fenômenos, que exigem um estado interior livre de julgamentos:
Assim, o olhar se dispõe a receber simultaneamente a diversidade com que se defronta. Quando nos deixamos levar por esse movimento diante de uma paisagem, por exemplo, de uma tarefa ou de um problema, notamos como nosso olhar fica simultaneamente pleno e vazio[3].
É esse movimento, que inicialmente se detém e depois se detrai, que Hellinger denomina de fenomenológico.
2. ORDENS OU LEIS SISTÊMICAS DE BERT HELLINGER
Hellinger nos apresenta três ordens ou leis que devem ser respeitadas para que haja harmonia dentro do sistema, denominadas de Ordens do Amor[4].
A primeira é a Lei do Pertencimento, segundo a qual cada grupo social se mantém vinculado, em decorrência de suas crenças, mantidas pelas normas e pelos vínculos entre os membros:
Hellinger percebeu que cada pessoa está comprometida com o destino do grupo; todo indivíduo está, acima de tudo, muito mais a serviço do seu sistema, do que a serviço do seu próprio querer. (…) também percebeu que quando atuamos em sintonia com o sistema ao qual pertencemos, nossa consciência fica tranquila. Por isso muitas vezes fazemos algo que perante os outros parece totalmente mau, totalmente errado. Entretanto, isso foi feito de “consciência tranquila”, porque quando agimos “igual”, tendo as mesmas atitudes, vivenciando os mesmos valores, nos sentimentos pertencentes e seguros[5].  
Cabe ainda ressaltar que a alma do grupo não tolera exclusões e todos os membros do sistema tem igual direito ao pertencimento. Quando algum membro é excluído do grupo, algum outro membro da família toma seu lugar de modo inconscientemente, vindo a repetir seu padrão. Por exemplo, aqueles que foram vítimas de atos violentos, como estupro, homicídio, latrocínio, perpetrados por membros de uma família, assim como os membros de uma família que foram vítimas de crimes, principalmente, no caso de homicídio, é necessário ter-se a compreensão de que os assassinos também fazem parte do sistema familiar. Caso esse ou esses assassinos sejam excluídos ou rejeitados, em alguma geração serão representados por membros familiares, em decorrência do pertencimento à consciência coletiva.
A segunda é a Lei da Precedência, onde aqueles que chegaram antes, cronologicamente, prevalecem sobre os que chegaram depois. Nessa lei os mais velhos são hierarquicamente superiores aos mais novos. Esta lei define que aquele que entra primeiro em um sistema, tem a prevalência e exerce direitos sobre os que entraram depois, pois dentro de um sistema existe uma hierarquia, uma ordem a ser respeitada e cada um tem o seu lugar, contribuindo para a evolução do mesmo, se estiver no lugar que lhe cabe.
A Ordem é estabelecida pela hierarquia. Descrevemos essa lei da seguinte forma: “Quem chegou primeiro, chegou primeiro, quem chegou depois, chegou depois. E nada que venha depois desse ponto final, altera a ordem.
Quando há ruptura da ordem, os posteriores se sentem compelidos a atuar como se fossem melhores que os anteriores, como se diante de situações vivenciadas por esses últimos, houvessem eles mesmos tomado decisões e atitudes “melhores” ou “mais acertadas”.
Hellinger também viu que aqueles que estão mais abaixo na ordem hierárquica, por exemplo, os filhos, não devem se meter nos assuntos dos antecessores[6].
Todavia quando a hierarquia não é respeitada e a Lei da Precedência é violada, o sistema sofre disfunções graves. Caso alguém não ocupe seu lugar, isso implicará em desordem na sua própria vida e na vida dos outros membros do sistema, e para restabelecer o equilíbrio, é preciso que cada um respeite e tome o seu lugar.
A terceira, é a Lei do Equilíbrio. Trata-se do equilíbrio entre o DAR e o RECEBER e está a serviço da troca nas relações. Necessitamos manter esse equilíbrio em nossas relações, pois é no equilíbrio entre o DAR e RECEBER que uma relação encontra harmonia.
As “contas familiares e sociais” também precisam estar equilibradas, incluindo as partilhas, heranças, dotes; os favorecidos e desfavorecidos; as injustiças. Também fazem parte da família aqueles que tomam o lugar dos que morreram e partiram. Num ‘livro de contas familiar’, é necessário que se mantenha em dia os créditos e débitos, as obrigações e méritos dos membros, “sem o que, de geração em geração, se pode ter uma série de problemas”[7].
Assim, toda Alma deseja retribuir aquilo que lhe é ofertado e quando o faz, sempre dá um pouco mais, pois o desejo de retribuir é uma constante em nossa vida. Sentir-se em débito com ou sentir-se credor são movimentos naturais de nossa alma, fazendo com que fiquemos vinculados ao sistema.
Uma vez abordadas as Constelações Familiares e as Ordens ou Leis Sistêmicas, passa-se a tratar da aplicação destas leis no campo do Direito, que recebe a denominação de Direito Sistêmico.
3. DIREITO SISTÊMICO
A denominação Direito Sistêmico, que aqui aborda-se, diz respeito, a expressão cunhada pelo Magistrado Sami Storch, que de forma inovadora passou a utilizar as Constelações Familiares em suas audiências.
Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, vislumbrou na constelação um instrumento a mais para auxiliá-lo nos julgamentos dos seus processos e na condução de suas audiências, passando a verificar que as partes quando confrontadas com a verdade, com o que está oculto e com o que veio antes do conflito, passavam de uma postura litigante a uma posição consensual, com isso, o Juiz atuava como um conciliador e mediador em suas demandas judiciais, gerando sentenças pacificadoras[8].
Sami Strorch estabelece o significado da expressão Sistêmico, conforme segue:
A expressão “direito sistêmico”, no contexto aqui abordado, surgiu da análise do direito sob uma ótica baseada nas ordens superiores que regem as relações humanas, segundo a ciência das constelações familiares sistêmicas desenvolvida pelo terapeuta e filósofo alemão Bert Hellinger.
O direito sistêmico se propõe a encontrar a verdadeira solução. Essa solução não poderá ser nunca para apenas uma das partes. Ela sempre precisará abranger todo o sistema envolvido no conflito, porque na esfera judicial – e às vezes também fora dela – basta uma pessoa querer para que duas ou mais tenham que brigar. Se uma das partes não está bem, todos os que com ela se relacionam poderão sofrer as conseqüências disso.[9]
O Direito Sistêmico, segundo Amilton Plácido da Rosa, também pode ser assim definido:
O Direito Sistêmico, em termos técnico-científico, é um método sistêmico-fenomenológico de solução de conflitos, com viés terapêutico, que tem por escopo conciliar, profunda e definitivamente, as partes, em nível anímico, mediante o conhecimento e a compreensão das causas ocultas geradoras das desavenças, resultando daí paz e equilíbrio para os sistemas envolvidos[10].
Como se trata de um Direito em construção, para estabelecer um conceito a ser utilizado como norte no presente artigo, define-se Direito Sistêmico como sendo um Método Sistêmico-fenomenológico de transformação do conflito, baseado nas Leis Sistêmicas ou Ordens do Amor de Bert Hellinger.
É necessário esclarecer que a aplicação do Direito Sistêmico pode ocorrer de três formas distintas: mediante uma postura sistêmica-fenomenológica; realizando intervenções sistêmicas fenomenológicas, com frases de solução e exercícios e dinâmicas sistêmicas e através da aplicação das Constelações Familiares.
No tocante a área de atuação, não se encontra circunscrito apenas ao Direito de Família, mas permeia todos os ramos do Direito, haja vista sua natureza sistêmica.
4. DIREITO PENAL SISTÊMICO
Com aporte nas três leis estabelecidas por Bert Hellinger, conhecidas como ordens do amor, busca-se apresentar uma ideia do que, a priori, denominamos Direito Penal Sistêmico.
As leis sistêmicas podem ser utilizadas para questionar a coerência da estruturação da justiça penal moderna e, também, como método de resolução e prevenção de conflito penal, tendo, neste caso, as partes como destinatárias.
O que buscamos nesse texto é analisar tão somente o primeiro aspecto, não desconhecendo que em alguns momentos eles estarão conectados.
A proposta, portanto, é confrontar o direito penal tradicional com as leis de Precedência (Hierarquia), Pertencimento e Equilíbrio, a fim de demonstrar a desarmonia do sistema penal, o que pode justificar a sua incapacidade em gerir os conflitos que são trazidos até suas agências de controle (polícia, judiciário, execução penal). Alerta-se para não confundir essa pretensão com a constelação familiar realizada com cada um dos sujeitos, o que não afasta a possibilidade e necessidade de, nessa nova configuração do direito penal, aplicar a constelação familiar como uma técnica de compreensão e solução do conflito.
Assim é que, de forma embrionária, pode-se entender como Direito Penal Sistêmico uma postura diferente para a mediação de conflitos penais judicializados, utilizando-se das leis sistêmicas de Bert Hellinger, o que exige uma mudança estrutural da justiça penal moderna.
Conflitos penais judicializados, porque sabe-se que a maioria dos conflitos penais não chegam ao conhecimento das agências de controle, criando o que se denomina cifra negra da criminalidade. Portanto, se estamos a falar em Direito Penal é porque reconhecemos que houve um desvio social criminalizado que está sob intervenção estatal (polícia ou judiciário) e é nesse contexto que se aplicaria o Direito Penal Sistêmico.
Já em relação aos desvios que não são criminalizados ou que, mesmo criminalizados, não são conhecidos pelo Estado, não falaríamos de Direito Penal Sistêmico, e sim método sistêmico de solução de conflito, com a aplicação das leis de Bert Hellinger, mas num contexto comunitário. Sobre esse assunto abordaremos em outro escrito.
Também é imperioso destacar que reconhecemos todas as ponderações dos movimentos criminológicos críticos, estando cientes de que o Direito Penal é um instrumento de poder seletivo, onde o maior problema é o seu tamanho e desproporcionalidade, eis que a cada dia se expande, criminalizando condutas que não necessitariam estar tipificadas.
O que se procura, então, não é justificar o sistema penal, mas tentar atribuir-lhe uma função menos violenta. Se é um “mal” que temos que conviver, que possamos, pelo menos, minimizar esse efeito negativo inerente ao direito penal.
Delimitado o tema, passa-se a analisar a aplicação das leis sistêmicas à estrutura do Sistema Penal tradicional.
4.1 Precedência (Hierarquia)
Em um contexto histórico, sabido é que na segunda metade da Idade Média a resolução do conflito não cabia mais ao particular e sim ao ente público, enquanto poder político, surgindo, então, a figura do procurador, que substituía a vítima e se apresentava como o representante de um poder lesado pela infração, podendo ser o soberano, o rei ou um senhor. Nascia a figura da “infração”, onde o soberano era a vítima secundária do ato ilícito, o que lhe dava legitimidade para buscar a condenação do infrator.
Ana Messuti explica que
a vítima, em particular, sofreu um despojamento por parte do sistema penal. Este tirou a verdadeira vítima de sua tal qualidade, para investir a comunidade nesta qualidade. O sistema penal substituiu a vítima real e concreta por uma vítima simbólica e abstrata: a comunidade.[11]
Assim, é notório que quem veio primeiro nessa relação foi a sociedade, tendo o Estado usurpado, dos particulares, a função de punir.[12] Nesse caso, a hierarquia não se observa, posto que os envolvidos direto no conflito, os que tem maiores interesses em resolver e de que forma melhor solucionar não participam frente a frente do “processo”.
O campo mórfico não está ajustado. Entende-se como campo mórfico, aqueles que
levam informações, não energia, e são utilizáveis através do espaço e do tempo sem perda alguma de intensidade depois de ter sido criado. Eles são campos não físicos que exercem influência sobre sistemas que apresentam algum tipo de organização inerente.[13]
Nesse sentido, explica Sheldrake que “a forma das sociedades, ideias, cristais e moléculas dependem do modo em que tipos semelhantes foram organizados no passado. Há uma espécie de memória integrada nos campos mórficos de cada coisa organizada”, o que nos leva a pensar que a não obediência desse campo morfogenético, no caso o desrespeito à ordem hierárquica de solução de conflitos, possa interferir no equilíbrio do sistema como um todo.
A “solução” no Direito Penal moderno é determinada pelo Estado-Juiz, que segue critérios técnicos, deixando de observar as verdadeiras demandas do grupo, família ou dos próprios sujeitos.
Não se sustenta o retorno à vingança privada, longe disso, mas a necessidade do Estado possibilitar que esses sujeitos tenham voz ativa na escolha da melhor solução para a violência praticada, numa aproximação do modelo particularista de tomada de decisão proposta por Schauer.[14]
Os limites dessas soluções devem ser estabelecidos pelo legislador, sem a possibilidade de penas cruéis, perpétuas ou infamantes, por exemplo, mas com uma discricionariedade conferida aos envolvidos na busca de um desfecho que seja bom para ambos, pois sendo bom para ambos, certamente será bom para todos.
Alguns movimentos mundiais já caminham nesse sentido, como é o caso da Justiça Restaurativa. Mas independente da nomenclatura e do método que se utilize para aproximar os sujeitos e lhes delegar o poder de compor, o importante, aqui, é perceber que a inobservância da hierarquia pode e efetivamente tem causado efeitos que comprometem todo o sistema jurídico penal.
O que se tem visto é um sistema que cada vez cresce mais, criminalizando muitas condutas que não precisariam ser criminalizadas; que não conhece outra terminologia senão “punir” e que pune desproporcionalmente e alheio aos interesses dos sujeitos envolvidos, desconsiderando completamente o complexo mundo de cada um.
4.2 Pertencimento
Pela Lei do Pertencimento, o sujeito de sentir-se pertencendo ao sistema familiar, empresarial ou ao seu grupo de amigos, por exemplo.
No Direito Penal a relação é um pouco diferente daquela existente no Direito Civil. Nessa a lide é entre as partes, sendo o judiciário chamado para solucionar o conflito. Naquela, uma vez cometido um crime, o Estado assume a função de processar, por meio do Ministério Público,[15] sendo o judiciário chamado para conduzir esse processo até sentença, onde a vítima, nesse caso, não é parte processual. Se na relação processual civil as partes são: suposto autor de um fato e a vítima; no penal as partes são: Ministério Público e suposto autor do fato.
Portanto, na configuração do Direito Penal tradicional, a vítima é preterida da relação. Ela não pertence ao sistema que decidirá pela punição do autor do desvio, mesmo sendo ela, a vítima, a parte mais interessada na punição ou NÃO punição do sujeito agressor.
O não pertencimento da vítima é uma consequência lógica da não observância da lei de hierarquia.
A necessidade de se trazer a vítima não é para empoderá-la com o direito de escolher uma pena, mas proporcionar-lhe a opção de “não punir”, ou seja, de poder dizer que mesmo tendo sido vítima de uma violência, entende os motivos do agressor e não deseja que o mesmo seja penalizado, ou se for o caso de se atribuir uma punição, que não seja a tradicional, mas outra que possa colaborar na construção das relações entre eles ou entre o agressor e seus familiares, o que, nesse caso, talvez nem se possa chamar de pena.
A vítima precisa pertencer para poder ser ouvida e o seu chamado é importante no sentido de que a “sanção” eventualmente dada ao agressor pode ser atenuada ou até mesmo excluída por vontade do ofendido, que, muitas vezes, não vê sentido em punir por punir.
Também o autor do fato precisa sentir-se pertencente. Contudo, o que o modelo tradicional de justiça penal faz é apenas excluí-lo de toda relação social e familiar. Literalmente o agressor fica à margem (daí que é chamado de marginal) da busca pela compreensão do fato.
A ideia é que se construa um sistema de justiça que procure aproximar aqueles que se separaram pela violência e o direito ao pertencimento se traduz na necessidade de se colocar cada um no seu devido lugar.
4.3 Equilíbrio 
Essa lei é de muita importância para o direito penal e, talvez, seja a que mais justifica a aplicação do direito sistêmico à justiça criminal.
No modelo tradicional, a aplicação da pena é um atributo estatal, obrigatório, cujos limites legais devem ser respeitados, evitando-se, teoricamente, uma desproporcionalidade entre o fato e a pena.
Inúmeros critérios informativos buscam atribuir equilíbrio entre essa dualidade fática (crime-pena), destacando-se a proporcionalidade, razoabilidade, bagatela, subsidiariedade e fragmentariedade, todos integrantes do conhecido “direito penal mínimo”. Contudo, entendemos que por mais importantes que sejam, na prática eles não alteram o desequilíbrio de origem, que é o fato do crime ter sempre uma pena como consequência.
Será mesmo necessário a todo crime atribuir-se uma punição? Será mesmo possível conseguir equilíbrio por meio de uma sentença penal condenatória?
Pensamos que não.
O equilíbrio deve ser encontrado pelos envolvidos no conflito, função que não pode ser terceirizada ao Estado. O juiz não consegue vivenciar a real necessidade do autor do fato e da vítima e muito menos possui condições de estabelecer o equilíbrio na relação “machucada” pela ofensa/violência, com uma pena.
Nesse sentido, somente as partes saberão qual é a medida exata para equilibrar a relação e mesmo quando não exista relação entre eles, quando são estranhos, por exemplo, apenas elas possuem ideia do que é necessário para sentirem-se quitados[16] entre si.
Para Olinda Guedes, “em uma sociedade realmente evoluída, alguém que cometeu um crime talvez fosse “condenado” a cultivar hortaliças, a reformar escolas, aprenderia a cantar ou tocar, faria coisas para doentes ou idosos, por muitos e muitos anos”[17].
Logicamente que esse processo não é tão simples e exige que os envolvidos estejam dispostos a verdadeiramente olhar-se intimamente, buscando o que está oculto em cada um e que possa ter motivado o desvio.
Nesse processo é quase certo que ambos perceberão que são, ao mesmo tempo, vítimas e agressores e que o desejo de justiça é, na prática, o reforço do papel de vítima.
Assim, estreita-se a ideia de que o sistema penal tradicional se desarmoniza das Leis Sistêmicas, o que gera consequências no campo morfogenético de todo o sistema social que a ele está condicionado.

Notas e Referências:
[1] GUEDES, Olinda. Além do Aparente: um livro sobre constelações familiares. 1ed. Curitiba, 2015, p. 31.
[2] MANNÉ, Joy. As Constelações Familiares em sua vida Diária. 1 ed. 2008. p. 2.
[3] HELLINGER, Bert. Ordens do Amor: um guia para o trabalho com constelações familiares. tradução Newton de Araújo Queiroz; revisão técnica Heloise Giancoli Tironi, Tsuyuko Jinno-Spelter. São Paulo: Cultrix, 2007. p. 14
[4] As violações dessas leis podem ser a causa oculta das tragédias familiares, notadamente o suicídio, doenças graves, crimes entres familiares e no âmbito no grupo social.
[5] GUEDES, Olinda. Além do Aparente: um livro sobre constelações familiares. 1ed. Curitiba, 2015, p. 33.
[6] OLIVEIRA Junior, DÉCIO Fábio. Esclarecendo as constelações familiares. Belo Horizonte: Atman. 2016, p.10.
[7] BERTOCHE, Laís de S. A. Terapia Regressiva como estratégia integrativa da personalidade. IV Congresso de Terapia Regressuva. p. 14.
[8] MENDES, Ana Tarna dos Santos, e LIMA, Gabriela Nascimento.  O que vem a ser Direito Sistêmicohttps://jus.com.br/artigos/54930/o-que-vem-a-ser-direito-sistemico.  Acesso em 16 de junho de 2017.
[9] STORCH, Sami. O que é Direito Sistêmicohttp://direitosistemico.com.br/pt-services/o-que-e-direito-sistemico/.  Acesso em 16 de junho de 2017.
[10] ROSA, Amilton de Plácido. Direito Sistêmico e Constelação Familiarhttp://www.cartaforense.com.br/conteudo/entrevistas/direito-sistemico-e-constelacao-familiar/16914. Acesso em 16 de junho de 2017.
[11] (MESSUTI, Ana. O tempo como pena. Tradução de Tadeu Antonio Dix Silva e Maria Clara Veronesi de Toledo, São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2003, p. 72).
[12] Importante frisar que o surgimento da pena de prisão não indicou, necessariamente, uma maior humanidade na forma de punir, em oposição aos arbítrios cometidos na idade média. Sobre isso destaca Vera Regina Pereira de Andrade: “A transição da antiga para a moderna Justiça Penal não significou a passagem da barbárie ao humanismo, mas de uma estratégia de punir a outra, mediante um deslocamento qualitativo do seu objeto (do corpo para a mente) e objetivos (minimização dos custos econômico e político e maximização da eficácia)” (ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão da segurança jurídica: do controle da violência à violência do controle penal. 3ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015, p. 236-237). No mesmo sentido Durkheim, sustentando que as penas na Idade Média não eram tão atrozes assim: “Sería un error juzgar la ley penal, bajo el régimen feudal, de acuerdo a la reputación de atrocidad que se ha otorgado a la Edad Media. Cuando se examinan los hechos, se constata que era mucho más dulce que en los tipos sociales anteriores, al menos si se la considera en la fase correspondiente de su evolución, es decir, a su período de formación, y por así decirlo, de primera juventude” (DURKHEIM, Emile. Dos leyes de la evolución penal. Traducción. Mónica Escayola Lara Delito y Sociedad. Revista de Ciencias Sociales. N°13, 1999, pp. 71-90, disponível em http://www.catedras.fsoc.uba.ar/pegoraro/Materiales/Durkheim_Dos_Leyes_Evolucion_Penal.PDF.
[13] SHELDRAKE, Rupert. Uma Nova Ciência da Vida: A hipótese da causação formativa e os problemas não resolvidos da biologia. Tradução Marcello Borges, São Paulo: Cultrix, 2013.
[14] SCHAUER, Frederik. Las Reglas en Juego: Un examen filosófico de la toma de decisiones basada en reglas, en el Derecho y en la vida cotidiana. Madri: Marcial Pons, Ediciones Jurídicas y Sociales, 2004.
[15] Nos crimes de ação penal pública.
[16] Moral, material e sentimentalmente.
[17] GUEDES, Olinda. Além do Aparente: um livro sobre constelações familiares. 1ed. Curitiba, 2015, p. 63.

Nenhum comentário: