O artigo 306 do CTB, alterado pela
Lei 11.705/2008, trazia a seguinte redação:
Art.
306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração
de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou
sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine
dependência.
Para configurar o crime, bastava o
agente dirigir com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior
a 6 decigramas.
Contudo, em 2012 a Lei 12.760
alterou referido artigo:
Art. 306. Conduzir veículo automotor com capacidade
psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância
psicoativa que determine dependência.
O atual tipo
penal exige que o motorista esteja com a capacidade psicomotora alterada em razão
da ingestão de bebida alcoólica, o que afasta a simples embriaguez
(concentração de 6 decigramas de álcool por litro de sangue) como
caracterizadora de crime.
Desta forma, o
atual tipo penal é mais benéfico que o anterior, uma vez que cria uma exigência
maior ao Estado para punir, qual seja a comprovação da alteração da capacidade
psicomotora:
Apelação. Embriaguez ao volante. Alteração da capacidade
psicomotora. Lei n. 12.760/12. Retroatividade. Com a alteração do artigo 306 da
Lei 9503/97 pela Lei 12.760/12, foi inserida no tipo penal uma nova elementar
normativa: a alteração da capacidade psicomotora. […] Assim, a adequação típica
da conduta, agora, depende não apenas da constatação da embriaguez (seis dg de
álcool por litro de sangue), mas, também, da comprovação da alteração da
capacidade psicomotora pelos meios de prova admitidos em direito.
Aplicação retroativa da Lei 12.760/12 ao caso concreto, pois mais benéfica ao
réu. Ausência de provas da alteração da capacidade psicomotora, notadamente em
razão do depoimento do policial responsável pela abordagem, que afirmou que o
réu conduzia a motocicleta normalmente. Absolvição decretada (TJRS,
3ª c. Crim. Rel. Nereu Giacomolli, j. 09/05/2013).
Hoje, não basta mais a concentração de 6
decigramas de álcool por litro de sangue. Deve ficar evidenciada a alteração da
capacidade psicomotora do motorista, proveniente da ingestão de bebida
alcoólica ou outra substância psicoativa que determine dependência.
Não há dúvidas,
portanto, que deve ser aplicado, de forma retroativa, aos fatos ocorridos na
vigência do artigo 306 (alterado pela Lei 11.705/2008), o tipo penal do artigo 306 (com alteração dada pela Lei
12.760/12), conforme disciplina o artigo 2º, parágrafo único do Código Penal.
Como
dito, a nova redação do artigo 306 do CTB exige a condução de veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de
álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência.
Vale
ressaltar que o CTB e a Resolução 432 do Contran exigem a presença de vários
fatores para a redução da capacidade psicomotora do motorista, não bastando o
simples exame de bafômetro ou o envolvimento em eventual acidente, ou o simples
arrastar pneus.
O agente
pode estar dirigindo com concentração de álcool acima de 6 decigramas por litro
de sangue e não estar com sua capacidade alterada. O agente pode arrancar
“cantando pneus” e não estar com sua capacidade alterada. O agente pode
executar “uma arrancada brusca” e não estar com sua capacidade alterada.
O parágrafo
primeiro do atual artigo 306 do CTB, diz que:
I
- concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue
ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar;
ou
II
- sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da
capacidade psicomotora.
A primeira
vista, pode-se pensar que basta a concentração superior a 6 decigramas de
álcool por litro de sangue que está comprovada a alteração da capacidade.
Logicamente que não é este o raciocínio.
Se bastasse
a simples concentração superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue,
não teria o legislador alterado o tipo penal. É que a redação anterior trazia
no caput do artigo o crime com a
simples concentração superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue.
Com a nova
redação, trocou-se a expressão “estando com concentração
de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas” por “com capacidade
psicomotora alterada em razão da influência de álcool”, o que é muito
diferente.
Quando o parágrafo primeiro diz que
a conduta prevista no caput pode ser
constatada por concentração igual ou superior a 6 decigramas
de álcool por litro de sangue, está se referindo à embriaguez, ou seja, a prova
da embriaguez se faz desta forma, não estando descartada a necessidade de comprovação
da alteração da capacidade.
O tipo penal exige que a capacidade psicomotora seja alterada em razão da influência de
álcool e o teste de alcoolemia comprova apenas estar o agente sob a influência
de álcool. Deve, ainda, restar comprovada a alteração da capacidade, que é
elementar do tipo penal.
Em suma, o
teste de alcoolemia comprova a embriaguez, mas não a redução da capacidade.
Esta não pode ser presumida pelo simples fato do teste de alcoolemia dar
positivo.
Tanto que o
parágrafo único, inciso II, do artigo 306 do CTB, diz que deve haver “sinais que indiquem, na forma
disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora”.
E a resolução do Contran, que
estabelece tais critérios, é a Resolução 432 de 23 de janeiro de 2013, que em
seu artigo 5º assim explica:
Art. 5º Os sinais de alteração da capacidade psicomotora
poderão ser verificados por:
I – exame clínico com laudo conclusivo e firmado por
médico perito; ou
II – constatação, pelo agente da Autoridade de Trânsito,
dos sinais de alteração da capacidade psicomotora nos termos do Anexo II.
Já o Anexo II, referido, traz as seguintes causas que
indicam a redução da capacidade psicomotora:
ANEXO
II
SINAIS
DE ALTERAÇÃO DA CAPACIDADE PSICOMOTORA
Informações mínimas que deverão constar no termo mencionado
no artigo 6º desta Resolução, para constatação dos sinais de alteração da
capacidade psicomotora pelo agente da Autoridade de Trânsito:
(...)
VI. Sinais observados pelo agente fiscalizador:
a. Quanto à aparência, se o condutor apresenta:
i. Sonolência;
ii. Olhos vermelhos; iii. Vômito;
iv. Soluços;
v. Desordem nas vestes;
vi. Odor de álcool no hálito.
b. Quanto à atitude, se o condutor apresenta:
i. Agressividade;
ii. Arrogância;
iii. Exaltação;
iv. Ironia;
v. Falante;
vi. Dispersão.
c. Quanto à orientação, se o condutor:
i. sabe onde está;
ii. sabe a data e a hora.
d. Quanto à memória, se o condutor:
i. sabe seu endereço;
ii. lembra dos atos cometidos;
e. Quanto à capacidade motora e verbal, se o condutor
apresenta:
i. Dificuldade no equilíbrio;
ii. Fala alterada;
O § 1º alerta que não basta apenas um sinal, mas um
conjunto de sinais para que se possa verificar a alteração da capacidade
psicomotora:
§ 1º Para confirmação da alteração da capacidade
psicomotora pelo agente da Autoridade de Trânsito, deverá ser considerado não
somente um sinal, mas um conjunto de sinais que comprovem a situação do
condutor.
Já o § 2º
assevera que os sinais de alteração da capacidade psicomotora de que trata o
inciso II deverão ser descritos no auto de infração ou em termo específico que
contenha as informações mínimas indicadas no Anexo II, o qual deverá acompanhar
o auto de infração.
Para terminar
cita-se decisão do TJRS:
[…] O réu é confesso. E
a confissão é corroborada pelos depoimentos dos PMs que atenderam a ocorrência
e pelo resultado do teste de etilômetro, que indicou concentração de álcool
muito superior ao limite legal: o triplo. A Lei nº 12.760/2012,
alterou o disposto no artigo 306 do CTB. O tipo já não se
realiza pelo simples fato de o condutor estar com uma determinada concentração
de álcool no sangue e sim, por ele ter a capacidade psicomotora
alterada em razão da influência do álcool, seja ela qual for. A concentração
que antes constituía elementar do tipo passou a ser apenas um meio de prova
dessa alteração. O resultado do
exame constitui presunção relativa, em um sentido ou noutro. Houve
descontinuidade típica, mas não abolitio criminis. Para os processos que ainda
se encontrem em andamento, mormente as condenações impostas antes da vigência
da alteração pendentes de recurso, como no caso dos autos, deve-se verificar se
há evidência da alteração da capacidade psicomotora, sem o que não pode ser
mantida a condenação. Caso em que há evidência nesse sentido. Condenação
mantida. Penas aplicadas com parcimônia. Sentença confirmada. Recurso
desprovido. (TJRS, Apelação Crime nº 70052903184, Terceira Câmara
Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Batista Marques Tovo,
julgado em 27/06/2013).
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