quarta-feira, 30 de julho de 2014

Apontamentos sobre o crime de embriaguez ao volante

            O artigo 306 do CTB, alterado pela Lei 11.705/2008, trazia a seguinte redação:
Art. 306.  Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de  álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência.

            Para configurar o crime, bastava o agente dirigir com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 decigramas.
            Contudo, em 2012 a Lei 12.760 alterou referido artigo:
Art. 306.  Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência.

            O atual tipo penal exige que o motorista esteja com a capacidade psicomotora alterada em razão da ingestão de bebida alcoólica, o que afasta a simples embriaguez (concentração de 6 decigramas de álcool por litro de sangue) como caracterizadora de crime.
            Desta forma, o atual tipo penal é mais benéfico que o anterior, uma vez que cria uma exigência maior ao Estado para punir, qual seja a comprovação da alteração da capacidade psicomotora:
Apelação. Embriaguez ao volante. Alteração da capacidade psicomotora. Lei n. 12.760/12. Retroatividade. Com a alteração do artigo 306 da Lei 9503/97 pela Lei 12.760/12, foi inserida no tipo penal uma nova elementar normativa: a alteração da capacidade psicomotora. […] Assim, a adequação típica da conduta, agora, depende não apenas da constatação da embriaguez (seis dg de álcool por litro de sangue), mas, também, da comprovação da alteração da  capacidade psicomotora pelos meios de prova  admitidos em direito. Aplicação retroativa da Lei 12.760/12 ao caso concreto, pois mais benéfica ao réu. Ausência de provas da alteração da capacidade psicomotora, notadamente em razão do depoimento do policial responsável pela abordagem, que afirmou que o réu conduzia a motocicleta normalmente. Absolvição decretada (TJRS, 3ª c. Crim. Rel. Nereu Giacomolli, j. 09/05/2013).

Hoje, não basta mais a concentração de 6 decigramas de álcool por litro de sangue. Deve ficar evidenciada a alteração da capacidade psicomotora do motorista, proveniente da ingestão de bebida alcoólica ou outra substância psicoativa que determine dependência.
            Não há dúvidas, portanto, que deve ser aplicado, de forma retroativa, aos fatos ocorridos na vigência do artigo 306 (alterado pela Lei 11.705/2008), o tipo penal do artigo 306 (com alteração dada pela Lei 12.760/12), conforme disciplina o artigo 2º, parágrafo único do Código Penal.
            Como dito, a nova redação do artigo 306 do CTB exige a condução de veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência.
            Vale ressaltar que o CTB e a Resolução 432 do Contran exigem a presença de vários fatores para a redução da capacidade psicomotora do motorista, não bastando o simples exame de bafômetro ou o envolvimento em eventual acidente, ou o simples arrastar pneus.
            O agente pode estar dirigindo com concentração de álcool acima de 6 decigramas por litro de sangue e não estar com sua capacidade alterada. O agente pode arrancar “cantando pneus” e não estar com sua capacidade alterada. O agente pode executar “uma arrancada brusca” e não estar com sua capacidade alterada.
            O parágrafo primeiro do atual artigo 306 do CTB, diz que:
§ 1o  As condutas previstas no caput serão constatadas por: 

I - concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar; ou 

II - sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora.  
                                  
            A primeira vista, pode-se pensar que basta a concentração superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue que está comprovada a alteração da capacidade. Logicamente que não é este o raciocínio.
            Se bastasse a simples concentração superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue, não teria o legislador alterado o tipo penal. É que a redação anterior trazia no caput do artigo o crime com a simples concentração superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue.
            Com a nova redação, trocou-se a expressão “estando com concentração de  álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas” por com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool”, o que é muito diferente.
            Quando o parágrafo primeiro diz que a conduta prevista no caput pode ser constatada por concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue, está se referindo à embriaguez, ou seja, a prova da embriaguez se faz desta forma, não estando descartada a necessidade de comprovação da alteração da capacidade.
            O tipo penal exige que a capacidade psicomotora seja alterada em razão da influência de álcool e o teste de alcoolemia comprova apenas estar o agente sob a influência de álcool. Deve, ainda, restar comprovada a alteração da capacidade, que é elementar do tipo penal.
            Em suma, o teste de alcoolemia comprova a embriaguez, mas não a redução da capacidade. Esta não pode ser presumida pelo simples fato do teste de alcoolemia dar positivo.
            Tanto que o parágrafo único, inciso II, do artigo 306 do CTB, diz que deve haver “sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora”.
E a resolução do Contran, que estabelece tais critérios, é a Resolução 432 de 23 de janeiro de 2013, que em seu artigo 5º assim explica:
Art. 5º Os sinais de alteração da capacidade psicomotora poderão ser verificados por:
I – exame clínico com laudo conclusivo e firmado por médico perito; ou
II – constatação, pelo agente da Autoridade de Trânsito, dos sinais de alteração da capacidade psicomotora nos termos do Anexo II.

Já o Anexo II, referido, traz as seguintes causas que indicam a redução da capacidade psicomotora:
ANEXO II
SINAIS DE ALTERAÇÃO DA CAPACIDADE PSICOMOTORA
Informações mínimas que deverão constar no termo mencionado no artigo 6º desta Resolução, para constatação dos sinais de alteração da capacidade psicomotora pelo agente da Autoridade de Trânsito:
(...)
VI. Sinais observados pelo agente fiscalizador:
a. Quanto à aparência, se o condutor apresenta:
i. Sonolência;
ii. Olhos vermelhos; iii. Vômito;
iv. Soluços;
v. Desordem nas vestes;
vi. Odor de álcool no hálito.
b. Quanto à atitude, se o condutor apresenta:
i. Agressividade;
ii. Arrogância;
iii. Exaltação;
iv. Ironia;
v. Falante;
vi. Dispersão.
c. Quanto à orientação, se o condutor:
i. sabe onde está;
ii. sabe a data e a hora.
d. Quanto à memória, se o condutor:
i. sabe seu endereço;
ii. lembra dos atos cometidos;
e. Quanto à capacidade motora e verbal, se o condutor apresenta:
i. Dificuldade no equilíbrio;
ii. Fala alterada;
O § 1º alerta que não basta apenas um sinal, mas um conjunto de sinais para que se possa verificar a alteração da capacidade psicomotora:

§ 1º Para confirmação da alteração da capacidade psicomotora pelo agente da Autoridade de Trânsito, deverá ser considerado não somente um sinal, mas um conjunto de sinais que comprovem a situação do condutor.

            Já o § 2º assevera que os sinais de alteração da capacidade psicomotora de que trata o inciso II deverão ser descritos no auto de infração ou em termo específico que contenha as informações mínimas indicadas no Anexo II, o qual deverá acompanhar o auto de infração.
            Para terminar cita-se decisão do TJRS:              
         

[…] O réu é confesso. E a confissão é corroborada pelos depoimentos dos PMs que atenderam a ocorrência e pelo resultado do teste de etilômetro, que indicou concentração de álcool muito superior ao limite legal: o triplo. A Lei nº 12.760/2012, alterou o disposto no artigo 306 do CTB. O tipo já não se realiza pelo simples fato de o condutor estar com uma determinada concentração de álcool no sangue e sim, por ele ter a capacidade psicomotora alterada em razão da influência do álcool, seja ela qual for. A concentração que antes constituía elementar do tipo passou a ser apenas um meio de prova dessa alteração. O resultado do exame constitui presunção relativa, em um sentido ou noutro. Houve descontinuidade típica, mas não abolitio criminis. Para os processos que ainda se encontrem em andamento, mormente as condenações impostas antes da vigência da alteração pendentes de recurso, como no caso dos autos, deve-se verificar se há evidência da alteração da capacidade psicomotora, sem o que não pode ser mantida a condenação. Caso em que há evidência nesse sentido. Condenação mantida. Penas aplicadas com parcimônia. Sentença confirmada. Recurso desprovido. (TJRS, Apelação Crime nº 70052903184, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Batista Marques Tovo, julgado em 27/06/2013).

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